Colunista
Ana Tigrinho

17.09.14
Ufanismo não faz sentido

Não sou ufanista. Como seria em um país cheio de desigualdades que há 514 anos explora a terra, os índios, as minorias? Conservador, com política de padrinhos, onde as instituições religiosas, e cada vez mais financeiras, se esforçam para inviabilizar a construção de um estado laico. País que não presta conta de seu(s) passado(s), repete os erros e a violência (com os excluídos, claro) no presente, e 50 anos depois do início de um golpe concebido pelas Forças Armadas ainda marcha ao ritmo dos tambores militares para comemorar uma “independência” proclamada pelo filhinho do rei.

Ufanismo leva à alienação. Vejamos o exemplo dos professores da minha infância, em uma escola pública na zona rural da região metropolitana de Curitiba nos anos 1990 (logo ali), durante a fatídica semana da pátria.

Sete de setembro era lindo na escola. Todo mundo muito patriota, os professorzinhos se esforçando pra deixar o colégio verde e amarelo, os preparativos para o desfile com a fanfarra e o ensaio com as músicas que exaltam o amor à pátria. A criançada berrando: “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil”.

Não sei como o hino de Dom e Ravel para o regime militar sobreviveu à democratização e chegou à minha distante escola dez anos depois do fim da ditadura, mas ele estava lá. E me arrepio ao imaginar que ele ainda possa estar em 2014, na mesma escola, comandada pelos mesmos professores.

Posso até levantar a hipótese de que a ditadura não exerceu muita influência naquele lugarzinho pacato. E, claro, muitos brasileiros permaneceram alheios enquanto o pau comia, incluindo meus professores, crianças na época. Mas isso não é justificativa para tamanha alienação, afinal, eles passaram por uma formação antes de serem responsáveis pela educação de uma porção de cidadãozinhos.

Esperar o sete de setembro para mostrar aos alunos o quanto devemos amar nossa pátria. Como este exercício sobrevive há décadas?

O que não me conforma, ou o que me inconforma, é o fato de não nos ensinarem a enxergar o Brasil desde cedo – será que isso é porque ninguém o enxerga realmente? Enxergar o país é ver (e lutar contra) toda esta desigualdade, prestar contas deste passado que assombra e não deixar que seja reproduzido no presente o pior destes 514 anos de “história” (entre aspas porque só corresponde ao período pós-colonização portuguesa).

Se a semana da pátria é inevitável nas escolas, se ainda há motivos para exaltar o Brasil – ainda sou otimista e acredito que sempre há –, temos muitas opções em nossa própria música. Para todos os gostos e estilos.

Foi por isso que comecei este texto. Trago uma tristeza muito grande em saber que na minha infância ficava berrando “Eu te amo meu Brazzzzzzzzzzz…” enquanto poderia estar cantando “Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que nós queremos sambar”.

Se for para comemorar um Dia da Pátria, por qualquer motivo que se tenha, que seja com ritmo e batucada. Com Novos Baianos, samba, rock, samba-rock, chorinho, forró, manguebeat e assim vai. Estes sim, brasileiros de se gabar.

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