A literatura se ocupa singularmente, e quase sempre de forma caricata e bem humorada, dos cemitérios: dentre as clássicas temos a novela de Dias Gomes na televisão em “O Bem Amado” sobre o coronel Paraguaçu em Sucupira que pretendia inaugurar um novo e não o fazia por absoluta falta de cadáveres, um quase suspense em torno da ansiedade do burgomestre; há ainda a peça de realismo mágico, bem anterior ao modelo de Jorge Icaza (aliás seu primeiro romance, Uaisipungo, foi editado aqui pela Editora Guaíra e na tradução livre de De Plácido e Silva), Gabriel García Márquez, Cortázar e Jorge Luís Borges, do genial Érico Veríssimo em “Incidente em Antares” que em função de uma greve de coveiros os cadáveres insepultos trocam diálogos à frente da necrópole.
Pois agora o Ministério Público Estadual entrou com ação de improbidade administrativa contra a prefeitura de Antonina por conta do desmazelo com o cemitério da cidade, abandonado e degradado. Isso fez lembrar uma ocorrência, ao tempo do regime militar, quando a cidade era gerida por um membro do Ministério Público, o Joubert Gonzaga Vieira, pai do desembargador Antoninho Loyola e que várias vezes administrou o município. Joubert, uma figura desenvolta, de um humor visceral, resolveu decalcar na difusora local o programa “O povo e o presidente” que o general João Figueiredo, em aberta busca à redemocratização, exibia na televisão brasileira sob o título “o povo e o prefeito”, afinal, como se sabe, o governo mais próximo de todos nós.
Justamente na celebração de Finados, Joubert vai ao ar e justifica porque deu uma guaribada nos acessos ao cemitério: “fiz isso para que esse povo ingrato de Antonina não se valesse da má condição das ruas para falar mal da minha mãezinha querida que também repousa naquele campo santo”.