Cultura
03.09.2015
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03.09.2015
03.09.15
Nossas origens musicais
por Emílio Fabri
Partitura do Padre José Maurício

Em todo o decorrer da história colonial do Brasil, desde seus primórdios, há constantes testemunhos de práticas musicais, da obrigatoriedade do ensino de música nas casas da Companhia de Jesus e da popularidade do teatro musical, cuja origem se encontra nos autos representados pelos jesuítas. No século XVIII, por exemplo, o gosto pela ópera-bufa, tão característica da época, propagou-se no Brasil. Fundaram-se casas de ópera no Rio de Janeiro, em São Paulo, Salvador, Recife, Belém, Cuiabá, Porto Alegre, Campos dos Goytacazes e outras cidades.
O repertório habitual desses teatros constituía-se principalmente das óperas do brasileiro Antônio José da Silva, o Judeu, e de obras da escola napolitana (óperas de Nicola Porpora, Cimarosa etc.). Modernamente, as pesquisas de Francisco Curt Lange, em Minas Gerais, e do padre Jaime C. Dinis, em Pernambuco, ampliaram consideravelmente o conhecimento sobre a evolução musical daquele período histórico.
A atividade musical em Pernambuco, no século XVIII, revelou-se com a descoberta de um compositor, anterior ao chamado barroco mineiro, Luís Álvares Pinto. De sua autoria é a partitura Te Deum laudamus, para quatro vozes mistas (orquestração perdida) e baixo contínuo, encontrada em 1967 pelo padre Dinis.
Não menos importante foi a prática da música na Bahia e em várias outras regiões do país. O musicólogo brasileiro Régis Duprat descobriu um Recitativo e ária, de autor anônimo, escrito em Salvador, que é a única obra setecentista com texto em vernáculo encontrada até hoje. Mais tarde Duprat recuperou obras de André da Silva Gomes, nascido em Lisboa, que chegou em 1774 a São Paulo.
Foi enorme a atividade musical em Minas Gerais, como documenta o trabalho pioneiro de Francisco Curt Lange. Sabe-se agora que, no fim do século XVIII e começo do século XIX, floresceu nas cidades mineiras uma geração de compositores que criaram uma música contemporânea da arte do Aleijadinho e da poesia dos inconfidentes. Entre esses compositores incluem-se José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Marcos Coelho Neto, Francisco Gomes da Rocha e Inácio Parreiros Neves.
A produção musical desses autores, assim como a do padre José Maurício Nunes Garcia, no Rio de Janeiro, nada tem de barroca, embora seja assim chamada. A expressão “mestres do barroco mineiro” foi usada por conotação com o estilo predominante da escultura e arquitetura da época, mas a música que se conhece de mestres brasileiros do período colonial tem outras fontes: provém diretamente do classicismo vienense, que tinha Haydn como referência. Da textura da música mineira está ausente a principal característica do estilo musical barroco: a elaboração polifônica das vozes.
No Archivo de música religiosa de la capitanía general de las Minas Gerais (tomo 1, 1951), editado por Curt Lange na Universidade Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina), figuram as composições dos mestres mineiros. Musicalmente, identificam-se com o estilo clássico ou pré-clássico (Pergolesi, Haydn). São obras impressionantes pela nobreza da inspiração, pela mestria na escrita melódica e coral, assim como pelo tratamento do texto litúrgico, qualidades difíceis de explicar naqueles músicos mestiços que não tiveram nenhum contato direto com os meios cultos. Modernamente, essas obras têm sido executadas com êxito no Brasil e no exterior.
Graças à descoberta dos mestres mineiros, já não continua isolada a figura do padre José Maurício, o grande compositor da época de D. João VI, autor de valiosa música sacra. José Maurício filia-se ao classicismo europeu. Sua música tem, sem dúvida, universalidade de sentido, mas tende, às vezes, a naturalizar-se brasileira por um caminho inesperado: o da modinha. Certas inflexões desse gênero tão caracteristicamente brasileiro impregnam, modificam e transfiguram a obra do padre e antecipam a transformação modinheira que a melodia italiana sofreria no Brasil.
Francisco Manuel da Silva, autor do hino nacional, pertence à geração seguinte. Mário de Andrade chamou a atenção para a “visão prática genial” com que ele organizou o Conservatório do Rio de Janeiro, lançando as bases de nossa cultura musical. Suas modinhas tiveram grande popularidade, ao lado da música religiosa e da que escreveu para o teatro. Com esses compositores encerra-se o ciclo da música sacra e gêneros afins e começa a era de predominância da ópera italiana. Nesse panorama surgiu, porém, um compositor brilhante: Carlos Gomes, autor de Il guarany e Lo schiavo.


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