Colunista
Marcos Villanova de Castro

12.08.14
Das alturas

O Boeing 737-700 da Copa Air Lines decolou do Aeroporto Internacional de Tocumen, da cidade do Panamá, com destino a São Paulo.

Reclinei o encosto da poltrona, ajustei o som do head phone e fechei os olhos, ouvindo Kind of Blue, com Miles Davis.

Viagens de avião podem ser ótimas oportunidades para deixarmos correr soltos nossos fluxos de pensamentos, embora James Joyce não tenha precisado voar para escrever sua obra-prima, Ulisses, que eu comecei a ler umas três ou quatro vezes, sem conseguir chegar sequer à metade.

Quem sabe um dia...

Li e gostei de Dublinenses e Retrato do artista quando jovem.

O avião inclinou, fez uma curva longa e larga, e eu pude ver, lá embaixo, os telhados de metal leve das casas simples dos arredores da cidade brilhando ao sol. Aprendi que os panamenhos pobres preferem coberturas leves por serem bem menos perigosas quando acontecem os não tão raros terremotos da região. Kind of Blue, gravado por Miles Davis em 1959, é considerado o melhor e mais influente disco de jazz de todos os tempos e é, até hoje, o mais vendido da história, tendo causado um verdadeiro terremoto na indústria fonográfica da época.

Estou voltando para o Brasil depois de quase dois meses flanando pela Nicarágua, Costa Rica e Panamá. Em comum, nos três países, muito calor, umidade, gente hospitaleira e gentil, e o trânsito caótico de automóveis e ônibus dirigidos pelos piores motoristas do mundo.

Na Cidade do Panamá, andando pelas ruas de Casco Viejo, vi imponentes casarões de arquitetura colonial, com balcões, varandas e janelões desenhados sob influência mourisca e andaluza. Algumas igrejas têm as cúpulas cobertas de madrepérolas. Tudo isso contrastando com os moderníssimos edifícios da Avenida Cinta Costeira, que justificam o apelido de Dubai Latina.

Em San Jose, na Costa Rica, numa ala sutilmente iluminada do enorme saguão do Hotel Intercontinental, a doutora Maria Clara – cirurgiã e homeopata –, uma morena quase linda, usando grandes brincos de madrepérola, realiza sua verdadeira vocação cantando clássicos do jazz e da Bossa Nova e sonha gravar seu primeiro disco.

Por não lembrar bem a letra de algumas canções, inventa palavras: “Eu, você, nós dois, aqui ‘nes tetê gaço’ (sic) à beira-mar ...” Tom Jobim deve tremer no túmulo.

Tom Jobim gostava de usar chapéus panamá, que ficaram conhecidos e se tornaram objetos de desejo desde quando o então presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, no começo do século 19, visitou as obras do Canal do Panamá e apareceu nas capas das revistas e jornais da época usando o chapéu.

O Canal do Panamá é considerado uma das sete maravilhas do mundo moderno. Vendo navios enormes, pesando milhares de toneladas, vindos do Oceano Atlântico, sendo suspensos 26 metros para depois descerem até o Pacífico, fiquei pensando na quase inacreditável capacidade do ser humano superar obstáculos.

Estava imaginando como teria sido projetado, todas as dificuldades de sua construção, o custo da obra quando a aeromoça tocou no meu braço e me perguntou se eu aceitaria um refrigerante. Sonolento e um pouco assustado, agradeci, disse não e ela seguiu adiante, empurrando o carrinho de lanches e bebidas com uma simpatia artificial e tentando – sem conseguir – caminhar de forma elegante. O traseiro grande e o blazer curto não a ajudavam. Um flash de cultura inútil me fez esquecer dela: o nome “blazer” pode ter vindo de um navio de guerra da Royal Navy, o HMS Blazer, cujo comandante, por considerar elegante, insistia que seus oficiais usassem paletós azuis-marinho.

Fechei novamente os olhos e voltei para o som elegante e azul-marinho de Miles Davis.

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