Colunista
Tisa Kastrup

06.12.13
“Descubra o que você ama, e deixe que isso te mate”

Como dizia Bukowski, já que vamos morrer mesmo, que seja por algo ou alguém que a gente ame. Desvairadamente, se possível. Conheço um homem que ama as mulheres, a inteligência e ama escrever. E também ama a literatura e todas aquelas belas palavras que costuram esses amores. Cada vez que ele solta seu verbo em um texto, somos capazes de sentir cheiros, ouvir música, viajar para outras paisagens e enxergar cenas que nossa imaginação cria, estimulada e levada pelas suas palavras. Este homem de quem falo ama as palavras e quase nos mata com elas. De tão intenso que é o estímulo, às vezes nem precisamos de uma foto para ilustrar. Mas sempre há aqueles que não apreciam nem as palavras nem as imagens. Tampouco apreciam as sensações advindas. Não viajam...

Moderno, este homem usa e abusa do espaço que o Facebook lhe proporciona. E – pasmem – quase meio século depois de ter sido um preso político (favor não rebaixá-lo nem confundi-lo com os recentes políticos que foram presos), levou uma botinada da censura virtual que tirou do ar o seu próprio mural pessoal naquele mundo virtual. Achei isso bárbaro (não no sentido de incrível, mas no sentido de violento) e ao mesmo tempo ridículo. Como é que uma ferramenta que se diz moderna ressuscita a censura? Alguém que não gostou de suas palavras nem das fotos que as ilustravam resolveu reclamar aos bispos do face e calaram suas palavras por alguns poucos dias. Castigo. Gancho. Tronco. Que ridículo para o Facebook! O mesmo ridículo que foi censurar as músicas do Chico Buarque e do Gilberto Gil nos anos de chumbo.

E não foi só o “face” que andou flertando com a censura. Gente que lutou ferozmente contra ela, justamente por ter sido dela uma vítima, agora vira a casaca, cai de amores e se joga em seus tentáculos sem nenhum pudor ou memória. Chico Buarque é o melhor (ou pior) exemplo. E vem de braços dados com a ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne. Em ritmo decadente, os Novos Baianos viraram velhos censores. Lula, Chico e Caetano acham que biografia boa é biografia autorizada. Marília Pêra acha que biografia boa é aquela que “pinga um dinheirinho” no bolso do biografado (mesmo que todo o trabalho duro de pesquisa, entrevistas, compilação e redação tenha sido feito pelo biógrafo). Estão todos juntos a um passo de achar que jornalismo bom é jornalismo autorizado (e pago nos bastidores para que se fale bem do personagem da “boa notícia”). Se não é assim, vem a grossa da Paula Lavigne cuspindo a pergunta de praxe: — Você é gay, né?

Censura é por definição uma condenação prévia de um ato. Isto posto, toda ação que busca corrigir posteriormente um ato não pode ser considerada censura a rigor do conceito. Bem como não podemos banalizar o sentido do que seria a censura, que tem um plano político de fundo. Ofensas pessoais diretas ou indiretas não entram nessa, sabemos. Tal palavra teve seu sentido mais autêntico quando do regime militar, que, inclusive, instituiu uma comissão de censura. A questão é meramente política.

No Brasil, podemos falar o que quisermos, mas vamos responder legalmente pelos excessos. Como se aferir esses excessos? A lei determina em três as condutas tidas como excessivas:

I. Calúnia (imputar falsamente conduta criminosa a outrem);

II. Difamação (imputar falsamente má fama a outrem);

III. Injúria (imputar má qualidade a outrem).

Os dois primeiros tipos penais são contra a honra objetiva, comportam o que chamamos tecnicamente de “exceção da verdade”, ou seja, dá ao réu a chance de provar que o que foi dito é verdade, nesse caso, não há ofensa à honra da suposta vítima. Mas no crime de injúria não há exceção da verdade, é ofensa à honra subjetiva, mesmo que se prove o que foi dito, isso é irrelevante para fins criminais. E mais, por definição doutrinária, há na injúria palavras vagas e imprecisas, até uma indireta pode constituir injúria, dependendo do contexto. A galera pode espernear, mas é essa a realidade jurídica que temos hoje. A letra da lei é fria, não comporta romantismos ideológicos.

Uma coisa é semear ideias, usufruir da tua protegida liberdade de expressão resguardada na Constituição Federal e difundir teus pensamentos. Outra coisa é atacar pessoas, caluniá-las, ofendê-las. Ideias não devem e nem podem ser censuradas. Lê quem quer, visita tua página do face quem quer, compra a biografia quem tiver interesse na vida e “obra” do biografado. Se o escritor cometeu algum crime contra a honra, que responda judicialmente no foro pertinente. O resto, é tudo censor do mesmo saco: podre, empoeirado e velho. Que nem estas celebridades (aí incluídas as sub, as micro e as ex) tendo siricuticos judiciais para tentar esconder as vidas que levaram e que as fizeram famosas, tentando calar a “caneta” de quem trabalha com ela para conseguir botar mais um “dinheirinho” no bolso.

Fingindo que estão correndo dos holofotes que antes amavam, vão ser mortas por estes mesmos holofotes.

A propósito, eu amo a liberdade. E foi ela que escolhi para me matar.

Já aquele homem que ama as palavras, acho que serão elas a lhe matar.

Docemente, letra por letra.

Por ele e por mim, sem essa de censurar para tentar reescrever a história.

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