Colunista
Ana Figueiredo

10.10.13
O beco

A lua se escondia em negras cortinas de névoa, espiando a noite por pequenas frestas. Ele se sentia observado e deslizava pensativo pelas sombras. Os bares ressoavam batidas vulgares e risos ébrios, o ar trazia aos lábios o sabor da sarjeta: mijo e cigarros. Nas ruas estavam apenas os que foram desprezados pela vida, as presas fáceis do destino: prostitutas, pobres e bêbados. Sozinho, ele continuava com seus passos duros e largos, perambulava calmamente na penumbra. Os enormes olhos azuis estavam mergulhados em pensamentos distantes. Os sapatos pretos se afundaram em uma poça e ele voltou à vida, estava num beco qualquer. Passou os olhos rapidamente e encontrou o que desejava. Nos fundos de um bar, recostado à parede sobre uma pilha de jornais e trapos, alguém dormia. Encarou os ponteiros do relógio quebrado e deixou a ansiedade tomar conta. Aproximou-se em silêncio, desviando-se das pilhas de lixo que se acumulavam por ali. Parou em frente ao homem e o admirou por um momento. Sem rosto e sem expressão. Um pedaço de carne, envolvido por rugas e tufos de cabelo, que se encharcava em cachaça e sonhava com a vida que não tinha. Ajoelhou-se sobre o peito descarnado que roncava e, num susto, enormes olhos de tempestade estalaram. Sem muito esforço, prendeu aqueles frágeis braços com as pernas e então veio o silêncio; cheio de palavras não ditas e de verdades incompreensíveis: não haveria luta, nem gritos, nem nada, apenas um longo silêncio, um segredo. Aquelas enormes mãos brancas envolveram o pescoço barbado e pode sentir tudo em seu poder, o pulsar aflito sobre suas garras. O cheiro do medo, da urina, do suor, da pinga azeda. Era o cheiro da vida indo embora. Os dedos se deleitavam ao apertar com cada vez mais força a traqueia, fitava friamente aquele rosto de agonia apenas sentindo a pele quente e suja. Assistiu embebido em prazer a perda da consciência e continuou, até que não houvesse mais nenhum resquício de vida. Ficou ali por algum tempo, desfrutando o momento e só se levantou quando o sol já começava a aparecer entre os prédios, caminhou para casa, feliz.

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