Colunista
Armando de Souza Santana Junior

20.03.14
Bórgia e Milo Manara

Quem não ouviu falar da família Bórgia na história dos papas da Igreja Católica Romana? Claro que quase todo mundo. Mas vale relembrar que Rodrigo Bórgia foi um espanhol de nome original Borja, convenientemente adaptado ao italiano Bórgia, e que por meio de uma trama política se fez papa com o nome de Alexandre VI em 1492. Seu pontificado durou até 1503. Sem dúvida o cardeal Bórgia foi um paradigma da era negra da Igreja Católica.  Corruptor e imoral, teve sete filhos, dentro os quais Lucrécia Bórgia, que passou para a história como sinônimo de devassidão, assassinatos por envenenamento e grande apetite sexual, sendo amante do próprio pai e do irmão Cesar Bórgia. Esse, um homem tal qual o pai: violento, assassino, sátiro e corruptor. Foi nomeado cardeal aos 16 anos por Alexandre VI. Cesar Bórgia, filho preferido, era considerado a longa manus de Alexandre VI em Roma, eliminando seus oponentes e defendendo o nome da família com violência e crueldade desmedida. Foi o orgulho de Alexandre VI. Os oponentes de Rodrigo Bórgia foram o cardeal Della Rovere (papa Julio II), com quem travou os embates políticos pelo poder na Igreja e o inflamado e fundamentalista padre Girolamo Savonarola, que pregava em Roma e Florença, atiçando a população contra Rodrigo Bórgia, atribuindo a ele a culpa de todos os males que afligiam a população. Findou sendo torturado e condenado à fogueira pelo papa, sendo queimado vivo na Piazza della Signoria em Florença, em 1498. Já Alexandre VI, que transformou seu pontificado em licenciosidade, marcado por orgias e assassinatos, morreu, ao que tudo indica, envenenado, e seu corpo todo enegrecido apavorou a todos os que estavam reunidos à sua volta. Foi então enterrado às pressas na Chiesa de Santa Maria in Monserrato Degli Spagnoli em Roma. Quem quiser visitar esse túmulo esquecido pelo tempo, a igreja fica na Via di Monserrato nº 115 em Roma.

Pois, foi essa história cheia de ingredientes amorais, embalada por orgias e violência, com tantas alianças, manobras políticas e despotismo, que inspirou Maquiavel a escrever O Príncipe. Para Maquiavel, Rodrigo Bórgia foi um modelo exemplar de como se deve governar. Descoberta na Livraria da Vila, em São Paulo, a saga Bórgia causou-me profunda admiração pelo talento de seu cartunista, o gênio italiano das graphic novels, Milo Manara, criador da sensualíssima e perturbadora série Click. Para completar, ela foi escrita pelo melhor roteirista de quadrinhos do mundo, o chileno Alejandro Jodorowsky. A série Bórgia, de quatro volumes lançados no Brasil pela Ed. Conrad, é excepcional, com desenhos que beiram o hiper-realismo. A obra transborda de pin-ups sensuais, extravasando toda sensualidade do traço de Milo Manara. Escrevo com todas as letras de que não há quem não se perturbe com a arte de Manara em qualquer de suas obras, mas em Bórgia ele foi valorizado demais pelo texto corajoso de Jodorowsky, tornando-se um clássico dos quadrinhos. Aliás, particularmente, acho interessante como as pessoas confundem a arte de Milo Manara com pequenos momentos efêmeros de satisfação sexual. Claro que isso está presente em seus ousados quadrinhos, mas não como base. Sua técnica é justamente captar traços de leveza, com grande influência clássica, para dar à sua arte sequencial um caráter estético. Manara é gênio e ponto final.

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