Colunista
Armando de Souza Santana Junior

08.12.14
Notas sobre Gaza
Foto: Divulgação

Quando ocorreu o massacre de quatro rabinos e outros fiéis em pleno momento de oração numa sinagoga da Jerusalém ocidental onde dois palestinos – mortos pela polícia – atacaram os presentes a machadadas, facadas e tiros, estava lendo Notas sobre Gaza (Footnots in Gaza), a impressionante obra sequencial de Joe Sacco, o premiado jornalista e quadrinista maltês-americano que arrebatou em 1996 o American Book Award, um dos mais cobiçados prêmios literários dos Estados Unidos. O ataque à sinagoga de Kehillat Yaakov foi o mais violento nos últimos anos na Cidade Sagrada, cenário de grande tensão. O atentado deixou ainda nove feridos, cinco deles em estado crítico, incluindo um jovem policial que faleceu no hospital. O ato sanguinário foi realizado pelos grupos Hamas e Jihad Islâmica, as duas principais forças islâmicas palestinas. Houve regozijo e festa na Faixa de Gaza.
A coincidência não passou batida porque ao me deparar com a obra e o ato terrorista, vi que Joe Sacco procura mostrar que o ódio palestino aos israelenses tem origens muito mais profundas do que se imagina. O título original da obra define a questão – Notas de rodapé sobre Gaza – pois trata de dois massacres cometidos pelas forças israelenses contra cidadãos palestinos em 1956 nas cidades de Khan Yunis (275 mortos) e Hafaz (100 mortos), quando sem distinção pessoas comuns que fugiam da incursão do exército israelense em busca de militantes foram enfileiradas e fuziladas sem dó. Esses acontecimentos calaram profundamente na miserável população da Faixa de Gaza, região carente de tudo que é básico, mas que de forma renitente e inquebrantável mantém a opinião da inexistência do Estado de Israel.
 O problema é que Joe Sacco entrevistou dezenas de sobreviventes e testemunhas, cruzou fontes documentais e orais e depois passou seis anos desenhando e escrevendo Notas sobre Gaza. Footnotes não é apenas uma reportagem de guerra, mas também um jornalismo de investigação suficiente para explicar a quem não entende como os palestinos veem os israelitas; para quem quer saber o que vai na cabeça dos que estão vivos; para quem se interessa pela memória humana. Sem nunca se fechar ao presente, Joe Sacco mostra como o passado é o futuro e como sua pesquisa escancara a verdade de que tais massacres passaram a ser tratados como simples “notas de rodapé” em qualquer fato histórico citado sobre aquele conflito, diminuindo sua importância e por isso mesmo fomentando ainda mais ódio do povo palestino contra Israel. Tornar sem importância o assassinato em massa de pessoas inocentes é banalizar por demais o mal. Para o povo islâmico e desesperançado de Gaza essa atitude é o alimento da crença radical no que afirma Hany Abu-Assad, o palestino diretor do fantástico filme Paradise Now, de que “o julgamento divino e a vida eterna no post mortem são as únicas armas existentes para fazer frente aos valores burgueses do capital. Para os que creem no paraíso, as vantagens são tentadoras: rios de bebida alcoólica, centenas de virgens esperando a hora de se tornarem mulheres e a possibilidade de pecar pelo infinito sem ser castigado”. Assim a vida segue em Gaza.

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