Colunista
Armando de Souza Santana Junior

08.08.12
Graphic novel — Maus, uma obra-prima

Sempre fui um aficionado por quadrinhos desde tenra idade. Fui apresentado a esse mundo com a mesma magia encontrada por Aureliano Buendia ao se deparar com o gelo apresentado por seu pai José Arcádio em Macondo. Meu pai foi quem me apresentou ainda pequeno aos grandes clássicos das chamadas Graphic Novels. Absolutamente fascinado, li uma incontável quantidade de HQs. Compulsivamente lia tudo que aparecia pela frente, mas notei que alguns autores talentosos se diferenciavam mais que outros por passarem do limite entre o entretenimento e a literatura desenhada com uma arte incrível.

Will Eisner, o criador do The Spirit mudou para sempre a minha concepção sobre as histórias em quadrinhos. Seus roteiros e desenhos não poderiam mais ser tidos como simples gibis. Na ausência de um termo em português para essas obras-primas que as diferenciassem dos demais quadrinhos, só mesmo o anglicismo Graphic Novel para adequá-las corretamente. No caminho aberto por Eisner, seguiram-se outros tantos como Frank Miller, Moebius e Milo Manara, aos quais prestarei futuras homenagens.

Em 2009 fiz uma grande descoberta numa livraria em São Paulo. Uma Graphic Novel denominada MAUS (ratos, em alemão), ganhadora inédita do Prêmio Pulitzer de 1992. Escrita e desenhada por Art Spiegelman, que a começou na década de setenta e a finalizou nos anos oitenta e que ganhou sua forma atual nos anos noventa. A história levou 13 anos para ser escrita e é genial, sendo que seus desenhos aparentemente simplórios ganham uma força extraordinária por seu simbolismo e sensibilidade.

A obra foi escrita e desenhada a partir do ponto de vista de Art Spiegelman e alterna as histórias contadas por seu pai Vladek Spiegelman sobre a sua vida na Polônia antes e durante a Segunda Guerra Mundial com a vida contemporânea de seus entes queridos no Rego Park, um bairro de Nova York. A história narra a luta de Vladek vivendo com sua família em Radomsko, Czestochowa, Sosnowiec e Bielsko na Polônia no final de 1930 e sua odisseia trágica durante a guerra que o levou a Auschwitz como prisioneiro de número 175113.

Ao longo do livro, Art Spiegelman confronta seu difícil relacionamento com o pai. Por exemplo: exibe Vladek como portador de forte preconceito racial contra negros apesar de suas próprias experiências de antissemitismo. Ele também é apresentado como uma pessoa mesquinha e que torna a vida muito difícil para as pessoas que vivem ao seu redor, incluindo sua primeira esposa, Anja, que se suicidou, e sua segunda esposa, Mala. Vladek Spiegelman é um homem obstinado a permanecer vivo apenas com o que sabe da vida e contrasta-o com o homem nos campos de concentração.

Ao longo de Maus, o autor emprega vários animais para representar diferentes nacionalidades e raças, adequando-os da seguinte forma: judeus são representados por ratos, os alemães são representados por gatos, os poloneses por porcos, os americanos são cães e os franceses rãs, os suecos são representados por renas, enquanto os britânicos são peixes. Os animais, obviamente são simbólicos de nacionalidades e raças por inúmeras razões. Os judeus, na forma de ratos, satiriza o retrato nazista daquela raça como parasitas. Além disso, este pode simbolizar a expertise de muitos judeus exibidos durante o Holocausto e a incapacidade de Hitler para eliminá-los completamente. Os alemães como gatos fica evidenciado pelo seu simbolismo eterno de perseguidor e exterminador de ratos. Já os poloneses, os porcos, embora com exceções, são retratados como muito egoístas e que não querem ter nada a ver com os judeus e embora invadidos e dominados pelos alemães, guardavam forte antissemitismo. Não à toa os mais infames campos de extermínios foram construídos na Polônia.

Com exceção dos americanos (cães), os personagens animais são retratados como iguais. Por exemplo: a maioria dos ratos judeus se assemelha independentemente do sexo ou idade. Apenas roupas e outros detalhes são utilizados para distingui-los: Spiegelman está sempre vestindo uma camisa branca e uma preta sem mangas; sua esposa francesa, Françoise - retratada como um rato porque se converteu ao Judaísmo - usa uma camiseta listrada. Ao viajar clandestinamente em áreas ocupadas pelos nazistas, os judeus usam máscaras de porcos para se disfarçar. O uso de animais na narrativa gráfica pode até parecer incongruente, mas em vez de criar um tipo social, Spiegelman satiriza-o e mostra como é tolo se classificar um ser humano com base na nacionalidade ou etnia. Em última análise, o que MAUS propõe é a comunhão de todos os seres humanos. São metáforas utilizadas para se evitar a destruição de povos baseadas em suas diferenças.

MAUS não é apenas uma história de sobrevivência e morte durante o Holocausto, mas também apresenta um aspecto humano absolutamente perturbador e muitas vezes desolador, mostrando emoções e relacionamentos dos personagens por toda parte. MAUS foi exibido no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa). Sua leitura é indispensável.










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