Colunista
Armando de Souza Santana Junior

13.11.12
Tempos de turfe

No mesmo dia morreram duas grandes figuras do turfe brasileiro: Ernani Pires Ferreira, a voz do Jockey Club do Rio de Janeiro e dono do jargão “...e cruzam a reta final”, e Edson Ruck, a voz do turfe paranaense, que comandou as transmissões do Jockey Club de Curitiba por mais de 40 anos. A triste notícia foi um choque a todos os aficionados pelas corridas de cavalo no Brasil.

O fato inédito ocorrido em março de 2012 me fez lembrar os meus tempos de turfe, dos anos que passei acompanhando e apostando nas corridas de cavalo nos hipódromos do Tarumã, Gávea (Rio de Janeiro) e Cidade Jardim (São Paulo). Eram nas noites das terças e quintas-feiras que eu comparecia ao Jockey para torcer nas vibrantes e espetaculares disputas dos Thoroughbred, o puro sangue inglês (PSI), raça corajosa, altiva e valente, preparada para corridas de longa distância.

Fui levado a esse mundo por um grande amigo, também advogado, que absolutamente apaixonado pelo turfe, mostrava um entusiasmo juvenil e contagiante pelos cavalos de corrida. Éramos jovens e o tempo também era de uísque. De copo na mão e de olho nos monitores, acompanhávamos febrilmente as apostas e corridas em Cidade Jardim e na Gávea. Lembro que antes de subirmos aos camarotes, disparávamos em direção aos caixas após buscarmos todas as informações possíveis sobre os cavalos do próximo páreo. Joga no placê! Gritava meu amigo. Acho que vou só no vencedor, respondia eu. Não, meu amigo, aprenda a apostar. O placê é mais seguro, pois dá direito a primeiro ou segundo lugar independente da ordem! Ou então vai logo de trifeta ou quadrifeta, pagam mais! Outra vez gritava o meu amigo. Era tudo muito divertido. E tanto era que passamos a jantar no Jockey nas noites de corridas. Aos sábados, recém-casado, convencia minha mulher a almoçarmos no Jockey Club, alegando que ali a feijoada era imbatível. Desculpa esfarrapada e facilmente percebida, pois claramente eu demonstrava o entusiasmo de quem queria mesmo era apostar nos derbys.

Lembro bem da minha primeira aposta. Era uma fabulosa noite de verão no Sul. Um vento suave e constante vindo da serra amainava um pouco nossos espíritos em ebulição.  A corrida estava para começar no Hipódromo do Tarumã e os cavalos já se alinhavam de forma indócil para a largada. Eu, ali na dúvida com as dicas do meu amigo sobre os prováveis vencedores. Marinheiro de primeira viagem, estava perdido diante de tanta informação. Meu amigo de repente sussurrou um segredo no meu ouvido: Está vendo aquele tordilho ali agitado? Estou, respondo eu. Pois vai por mim, todo tordilho é valente e esse está querendo vencer. Vai nele, aposta no vencedor, nada de placê dessa vez! Observo então o nome do tordilho no monitor, confiro com as informações que tenho em um pequeno jornal que contém as probabilidades dos páreos. Aquele cavalo não aparece como favorito, pelo contrário, era um azarão. Mostro para o meu amigo a informação do jornaleco. Ele fica fulo comigo e diz: Bom meu caro, faça como quiser e sai em disparada para as apostas. Vou atrás, e quando chego ao caixa, decido em apostar uma boa grana no placê no azarão indicado. Meu amigo vê minha pule e sorri mostrando os dentes amarelos de tanto cigarro. Mostra que apostou tudo que tinha apenas no vencedor, e esse seria o tordilho. Era tudo ou nada. Subimos correndo de novo aos camarotes e chegamos bem na hora da largada. O tordilho larga atrás, lutando pelas últimas posições. Na hora concluí que tinha sido muito ingênuo em acreditar na intuição do meu alucinado amigo. A corrida avança e começa a última volta. Para minha surpresa o tordilho vem atropelando todo mundo parecendo estar possuído por um espírito fugindo do inferno. Não é possível, penso eu. Meu amigo passivamente esboça um leve sorriso e eu de olho na pista já emocionado, pois o tordilho já vinha em terceiro. Completamente hipnotizado, vejo aquela criatura portentosa cruzar a reta final com mais de um corpo de diferença. Uauuuu! Gritamos juntos  nos abraçando sem parar. Que vitória! E na minha primeira experiência.

Vamos mansamente ao caixa pegar o que é nosso por direito. Meu amigo recebeu uma bolada de causar inveja, pois apostara unicamente no vencedor. Eu um pouco menos, pois descrente, jogara no placê. Assim, felizes da vida, para comemorar, pedimos no bar uma garrafa de uísque 12 anos e assim festejamos a vitória e o meu início no mundo do turfe. Passei então mais de cinco alegres anos frequentando o Jockey Club e as vigorosas corridas de cavalo no Tarumã.

O tempo passou, meu amigo sumiu e minhas visitas ao Jockey diminuíram gradativamente. Então um dia, de surpresa, ele me procurou no escritório. Estava muito magro e abatido e anunciou a doença grave e incurável que lhe consumia. Seus olhos já não tinham mais o brilho do entusiasmo e seu indefectível sorriso o abandonara. Confessou que já não frequentava mais as corridas de cavalo que tanto amava, enfim, desanimara. Foi um momento emocionante. Ele me abraçou, chorou e ali nos despedimos para sempre um do outro e também das corridas de cavalo e dos tempos felizes que vivenciamos juntos no turfe e que valeram cada segundo.










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