Colunista
Armando de Souza Santana Junior

11.07.13
Meus amigos italianos

Quem me conhece sabe da minha paixão pela gastronomia. E não é que meu desempenho nesse universo mudou muito depois que conheci, há mais de dez anos, um grupo de italianos que frequentava uma antiga tabacaria de Curitiba. Ela servia de base para os membros de uma lendária confraria de charutos denominada Los Puros. Tive a honra de presidi-la durante certo período. Desse grupo de confrades, hoje já extinto, alguns membros fazem parte do meu poker semanal, sendo os italianos Marcello Ramella, Vincenzo Cortese e Ângelo Mastuantono, oriundos de regiões distintas como a Lázio, Campagna e Basilicata, respectivamente, e um referencial na cozinha de suas origens. As massas regadas a molhos extraordinários são o ponto forte desses italianos e eram inexistentes na minha experimental arte de cozinhar, que se resumia aos prosaicos spaghetti aglio e oglio e bolognesa. Aventurava-me em algumas receitas fracassadas nas versões abrasileiradas e imprecisas de alguns clássicos como o Alla Carbonara, que constantemente é massacrado por estas bandas com o acréscimo de ingredientes como o creme de leite, noz moscada, etc.

Em minhas viagens à Itália, principalmente para Roma, passei algum tempo procurando conhecer a cozinha romano-judaica, pela qual me apaixonara ao ler algumas literaturas sobre suas origens e ingredientes. Fora das tradicionalíssimas pastas, esta cozinha oferece grandes pedidas como o filetti di baccalà (filé de bacalhau empanado) e o carciofi alla giudia (alcachofras fritas). Os restaurantes da Porta Otávia são os melhores para servir o absurdamente delicioso fiori di zucchini, que é a flor de abobrinha empanada e com recheio de mussarela de búfala e alicci, além das inúmeras fritattas de frutos do mar. Este, confesso, foi um voo solo e, portanto, sem orientação. No entanto, sempre que vou a Roma, frequento o Ghetto Judaico, para me deliciar no Da Giggetto, Pipperno ou no recém-descoberto Ba “Ghetto”, especializado em comida Kosher.

Gosto de cozinhar e sempre tive um viés mediterrâneo, pois adoro tudo que vem do mar. Realizo em minhas panelas grandes “alquimias” com peixes, camarões, mexilhões, crustáceos e moluscos. Tudo, quando necessário, com muito tomate, azeite de oliva, peperoncini, azeitonas, mussarela de búfala e o indispensável pão italiano. As pastas, posso dizer sem falsa modéstia, já eram de grano duro desde o início da década de 90, pondo fim ao macarrão mole servido por nossos pais e avós, mas que se resumiam aos spaghettis, fetuccines e linguinis, ou seja, nas chamadas pastas luongas e em nenhuma hipótese nas cortas, como os pennes, rigatonis e afins e muito menos as com recheio, das quais ainda guardo certa resistência.

Pois bem! Sem o aprendizado italiano, procurei me exibir em um desses jantares preparando um bom spaghetti ao qual denominei de Don Armando, levando a pasta tão italiana para o lado ibérico. O prato, embora simples, adota o camarão, o alho poró, o açafrão, pimenta dedo de moça e o azeite de oliva como base e, modéstia à parte, despertou sim, na ocasião, a curiosidade e a fome dos italianos, o que me deixou muito orgulhoso. Quando provou, Ângelo Mastuantono soltou um grito de espanto: Madonna!!! O prato foi muito elogiado, mas dali para frente posso afirmar que começou a minha iniciação com os “mestres”, já que minhas aventuras com os molhos terminavam por aí. Meus amigos italianos mostraram-me então um mundo novo a cada jantar. Sua arte com os pomodori, funghis, prosciutos, pancettas, guancialle, pecorino, cipolla, aglio, parmegianno reggiano, azeite de oliva, o basilico, muzzarela di bufala e o peperoncino repercutia no preparo de molhos e combinações absolutamente deliciosos. O vinho tinto rolava solto e nossas reuniões ficavam cada dia mais animadas. Eu, cada vez mais fascinado em aprender a arte da tradicional e simples cozinha italiana. Pois entre árias cantadas por Don Cortese, um tenor e violonista digno de consideração, e as intermináveis discussões próprias dos italianos, saíram dos nossos fogões boníssimos molhos como alla matriciana, carbonara, boscaiola, caccio e peppe, tutti crudo, primavera, pasta e fagioli e outros tantos fabulosos que agora me fogem à memória. Esses tempos ainda persistem. Grazie a Dio!

Confesso que esse longo aprendizado adquirido na convivência com esses amicci italiani foi e ainda é muito proveitoso sob todos os pontos de vista, pois, além da gastromia, nos reunimos até hoje, não raro com a presença do querido amigo Evaldo Macedo, médico e gourmet, não só para cozinhar, mas para, em volta do vinho, do pão, do prosciutto e do formaggio, discutir literatura, história, política, filosofia, arte, e, porque não dizer, o destino da humanidade. Jamais esquecerei as “aulas de gastronomia italiana” das noites de segunda-feira do poker comandadas por Marcello com os toques e sugestões de Vincenzo, soltando a voz para Verdi... La Donna è móbile qual piuma al vento... E outras tantas inesquecíveis por Ângelo e que elevaram meu padrão de cozinheiro para um quase chef de cozinha (que pretensão!). Mas o que dizer de uma gente que inventa uma gastronomia tão simples, deliciosa e criativa? Que cria uma obra-prima com a simplicidade, o aroma e o sabor de um spaghetti alle vongolle? Peço vênia ao Ângelo para demonstrar meus sentimentos: Madonna!!!

Tags:









TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: