Colunista
Armando de Souza Santana Junior

01.11.13
O pecado original

Todo ser humano traz consigo a centelha do mal no coração. Errado? Não, esta é uma afirmação correta. A doutrina cristã prega que todo homem nasce com o estigma do pecado original advindo da desobediência de Adão e Eva, que provaram do fruto proibido, contrariando as advertências de Deus. Os muçulmanos crêem que todo mundo ao nascer é tocado pelo diabo. Nada mais adequado ao propósito da explicação sobre a maldade humana que, cada vez mais presente, apavora o nosso dia a dia.

Resolvi escrever sobre isso quando li há algum tempo um artigo sobre uma pequena cidade francesa denominada Ouradour-sur-Glane. Em 10 de junho de 1944, ela teve sua pequena população massacrada com requintes de perversidade assustadora por uma tropa nazista. O ato foi tão cruel, que não poupou sequer crianças e velhos, queimados vivos na igreja da cidade. O simples início da leitura da história já provoca um mal-estar imediato no desavisado e a questão sobre a origem do mal absoluto vem à tona. Como seres humanos puderam fazer isso? É a pergunta sem resposta.

 O psiquiatra inglês Anthony Daniels, conhecido pelo pseudônimo de Theodore Dalrymple, deu uma entrevista à revista Veja, cujo teor nos faz repensar sobre a perversidade natural. Respondendo à indagação do jornalista sobre a influência de Jean-Jacques Rousseau sobre a noção de responsabilidade no mundo atual, o Dr. Anthony disse o seguinte: “Rousseau difundiu a ideia de que o ser humano é naturalmente bom, e que a sociedade o corrompe. Eu não sou religioso, mas considero a visão cristã de que o homem nasce com o pecado original mais realista. Isso não significa que o homem é inevitavelmente mau, mas que tem de lutar contra o mal dentro de si. Por influência de Rousseau, nossas sociedades relativizaram a responsabilidade dos indivíduos”. A entrevista discorre ainda sobre a desonestidade dos intelectuais, que criam constantemente explicações sociológicas e psicológicas para desvios de comportamento, desumanizando os criminosos. São esses teóricos de meia pataca e não os advogados que são os grandes responsáveis pelo tratamento frouxo da lei penal para com os nossos monstros. São eles os patrocinadores da progressão da pena e da ressocialização do mal em forma humana. Que faz do assassino frio e cruel num “cidadão de bem”, recolocando-o na sociedade após uma breve temporada na masmorra pública. Uma pequena pausa para repensar suas crueldades e aprimorar seus métodos.

Anders Behring Breivik, em julho de 2011, de forma fria, covarde e desprovida de qualquer sentimento, no que denominou “Operação Martírio”, executou a tiros 93 pessoas numa ilha nas proximidades de Oslo, capital da Noruega, e ainda feriu mais de 100 num atentado à bomba. A atrocidade praticada como um festim diabólico, segundo seu autor, teve a única intenção de chamar a atenção da sociedade europeia para um seu libelo de 1.500 páginas postadas na internet, onde escracha a miscigenação racial e o descontrole da imigração em seu país e na Europa. Depois, calmamente disse que “suas ações não eram nem criminosas nem repreensíveis”. O banho de sangue sem qualquer sinal de piedade chocou o mundo.

Depois desse episódio, outros massacres humanos se sucederam pelo mundo afora, inclusive no Brasil, onde todos os latinos se achavam imunes a essa perversão natural, característica única do homem caucasiano. Uma fantasia de alguns intelectualoides. Então, o que fazer para que o pecado original não transforme o homem em um monstro desprovido de bons sentimentos? Como se proteger desses indivíduos que não reprimem o mal dentro de si? Obviamente que não bastam o apego à religião, ao freio psicológico ou moral, como prega o Dr. Anthony Daniels, ou mesmo ao Direito Penal, com o seu caráter retributivo da pena nos moldes do pensamento de Kant e Hegel, que excluía a ressocialização do criminoso. Não, lamento, mas a norma penal não nos protege do mal. Quem em sã consciência acredita no “direito” de Anders Breivik à reeducação e readequação social? Creio que ninguém. Mas também ninguém quer abraçar as consequências de viver a tese real e aterradora de Thomas Hobbes, cuja máxima é Homo Hominis Lupus (O homem é o lobo do próprio homem). Ela nos faz reféns perenes do Estado leviatã para nos protegermos dos perversos de plantão. Então, confesso não encontrar uma solução para os perigos do pecado original. Ele, ao que tudo indica, continuará trazendo constantemente o horror aos nossos lares.

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