Colunista
Ernani Buchmann

13.11.12
Da semelhança entre um juiz e um escritor

Após os meses em que os brasileiros foram apresentados aos juízes do Supremo Tribunal Federal, com direito a idolatrar uns e a vituperar outros, no estilo torcida organizada que nos diferencia no futebol e no carnaval, restou o ministro Joaquim Barbosa como herói do julgamento.

As revistas semanais traçaram seu perfil, inclusive na mesma semana, ressaltando a trajetória do menino pobre que jamais desistiu de seus objetivos. Um brasileiro típico dos novos tempos, pode-se ler no subtexto. Alguém que vem das classes menos favorecidas e, sem concessão, chega ao STF, à condição de celebridade e, cereja no bolo, a ser visto como candidato à Presidência da República. Fosse em Hollywood, o roteiro da sua biografia já estaria em pré-produção, com Denzel Washington escalado para protagonista.

Tenho o ministro em alta conta, inclusive pelo menor dos motivos: minhas costas também doem à exasperação. A falta de paciência me é familiar, ainda que talvez não advenha só das dores nas costas, posto que a palavra deve ser entendida na acepção genealógica. Uma jornalista que trabalha ao meu lado costuma perguntar quanto ganho por ser antipático. Trato de contra-argumentar com as dores na coluna, sem sucesso. E tento disfarçar ironizando, apoiado na informalidade que o ambiente propicia.

Já o ministro Joaquim não tem tal alternativa. É juiz, cônscio, sério e dolorosamente mal humorado. Indigesto em todos os idiomas que domina. Lembra muito um dos maiores autores da literatura mundial, V. S. Naipaul.

Li diversos livros do escritor norte-americano Paul Theroux, mais conhecido no Brasil por suas narrativas de viagens. Entre outras, O Grande Bazar Ferroviário e Até o Fim do Mundo. Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel como Naipaul, em seu livro A linguagem da Paixão, chama Theroux de “ótimo autor de segunda ordem”. E conta histórias deliciosas dos entreveros entre os dois, Naipaul e Theroux, desde que se conheceram no Quênia, país em que ambos trabalharam como professores.

Theroux, mais moço, foi motorista e garoto de recados de Naipaul, que passou a venerar, e a quem, mais tarde, enviou seus livros, com dedicatória e todos os salamaleques de praxe.

Tempos depois, Theroux descobre aqueles exemplares, autografados, à venda em um sebo. Indignado, passou recibo: escreveu um livro – “infame e divertidíssimo”, segundo Vargas Llosa – chamado Sir Vidia’s Shadow: a Friendship Across Five Continents. Nele estão todas as incorreções políticas e a arrogância do antigo patrão e ídolo. Por exemplo, a um jovem poeta africano, mandou que mudasse de profissão. 

Naipaul sobreviveu à injúria atingindo a glória na carreira. Vargas Llosa diz dele: “O leitor se deleita com uma prosa excepcionalmente precisa e inteligente, castigada sem misericórdia para nela eliminar o supérfluo, e com uma ironia sutil, às vezes cínica, às vezes cáustica, que costuma morder a carne e tornar explícitas as verdades que desmentem ou ridicularizam as ‘ideias recebidas’ do nosso tempo. Não existe escritor mais incorretamente político no mercado literário. Ninguém pulverizou com mais sutileza e graça em seus romances, e com mais contundência intelectual em seus ensaios, as falácias terceiro-mundistas e as poses e frivolidades do progressismo intelectual europeu, nem demonstrou de forma mais persuasiva a demagogia, a malícia e o oportunismo que geralmente se emboscam por trás dessas doutrinas e atitudes”.

Se o comentário acima fosse escrito para retratar as ideias do ministro, talvez ninguém discordasse.

Em tempo: Paul Theroux jamais foi cogitado para o Nobel. Naipaul foi premiado em 2011 e Mario Vargas Llosa em 2010. Quanto a Joaquim Barbosa, não consta ter esse objetivo.










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