Colunista
Ernani Buchmann

05.12.12
Os Lopes

Muitos não sabem, mas trago incrustado entre o pronome e o Buchmann do meu pai, um Lopes por parte do avô materno. Quando comecei como repórter, o chefe da equipe, Airton Cordeiro, perguntou que nome profissional eu usaria. Optei por eliminar o Lopes. Tempos depois, passei a assinar matérias com um “L.” entre os dois nomes. Fábio Campana, o editor, aboliu a bobagem.

Ernani Lopes, meu avô, apelidado de Chacrinha pelos meus amigos, por conta da semelhança física, foi figura admirável, dono da boa cultura típica da ilha do Desterro.

A vida toda foi segundo flautista da orquestra da Harmonia Lyra de Joinville. Para mim, o spalla, que os netos conheciam por seu Nardinho, tocava pior que ele, mas assim não consideravam os maestros. A Lyra, não fosse meu avô assumir a presidência, teria sido ocupada durante a Segunda Guerra, como aqui foram o Clube Concórdia e a Sociedade Garibaldi, entre outros. Sabe-se lá o resultado do butim, a tempo interceptado.

O velho Ernani teve três filhas, que lhe geraram 11 netos. Uma vez por ano, eles se reúnem para um dia de memórias e risadas. E também de churrasco e das bebidas que fazem luzir o espírito. Ali se misturam Buchmann, Cassou, Guimarães e Rodrigues Alves, todos Lopes por parte da ascendência ou do casamento. Muitos com os cabelos embranquecidos, alguns já desprovidos deles. Há quem exiba uma pelagem de coloração exótica, adquirida em farmácia de baixa estratificação.

Já descobrimos que as histórias são as mesmas, mudam só os detalhes – aí incluídos eventuais exageros, típicos das falhas que as tomografias detectam no cérebro dos protagonistas, ou mesmo da vontade de reescrever o tempo passado.

Eis que chegou o dia da trupe reunir-se outra vez. Como a população se divide entre Curitiba e Joinville, encontramos no sítio do meu irmão Murilo, a meio caminho, o local ideal. Um de nós, executivo de corporação multinacional, vem de São Paulo.

Há mais convidados: filhos, genros, amigos de infância, parentes afins. Todos chegam cheios de gentilezas e piadas. Gerson me presenteia com um litro do melhor destilado já havido, a pura cana enriquecida por anos de envelhecimento em barris de carvalho. Zeca, cirurgião reconhecido, discute com meu irmão Flávio as excelências do canto dos curiós. Loracir, o capataz, traz uns pinhões sapecados, consumidos em alguns segundos. Alguém alega, já pelas 9h30, que ainda faltam 30 minutos para que se abra a primeira cerveja. Paulão argumenta definitivo: “Jamais li, em garrafa ou lata, qualquer informação sobre horário de abertura”. Por ser irrespondível, o enunciado se faz sentença: abriram-se as latas.

A carne é assada em fogo de chão, as trempes respeitando a direção do vento. Temos costela de boi, paletas de carneiro e frango à disposição dos circunstantes. Fernando, o Toco, resolve anunciar que vai faltar gelo. O dono da casa confere a geladeira e freezer, checa os isopores até descobrir que todos riem. Essa é uma das piadas recorrentes, todo ano alguém levanta a hipótese. Murilo manda seu primo Toco procurar gelo em um lugar impublicável.

Rogério e seu genro não chegaram, problemas com o carro na estrada. Arma-se o resgate. Quando chegam, Toco grita que já não tem mais gelo.

Na varanda, degusta-se um puro cubano. Rui traça o cenário da eleição em Joinville, aproveitamos para fazer um balanço do ano – com o que cumpro a pauta traçada pela Talita para este número da Ideias.

Paulo Cassou garante que a minha palidez vai fazer com que eu desfalque os encontros em pouco tempo. Agradeço a gentileza, fico até envaidecido. Então Renato dá o primeiro sinal de que a festa chega ao fim, ao lembrar que seu avião sai do Afonso Pena às 18h50.

É tempo de se colocar na estrada. Flávio tenta marcar um novo encontro na praia, Itajuba, durante a temporada. Em vão, só voltaremos a nos encontrar em outubro de 2013.

Já dentro do carro, Toco grita para o anfitrião comprar mais gelo da próxima vez. Murilo estica o dedo do meio, eles se vão.

Enquanto espero a carona que me trará de volta, escuto um dos remanescentes comentar sobre as excelências desses encontros. Sou obrigado a concordar. Mas tenho a impressão de que serão ainda melhores quando a cerveja estiver gelada.

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