Colunista
Fábio Campana

24.02.14
Descobertas fantásticas

Jorge Luis Borges diz que descobrir o desconhecido não é especialidade de Colombo, de Simbad, de Érico, o Vermelho, de Copérnico, de Galileu ou de Pedro Álvares Cabral.

Não há um só homem que não seja um descobridor, diz ele. Começamos todos por descobrir o amargo, o salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco-íris e as letras do alfabeto. Passamos por rostos, mapas, os animais e os astros. Concluímos pela dúvida ou pela fé e pela certeza quase total de nossa própria ignorância.

Pois estou a escrever “Crônicas recentes dos Grandes Descobrimentos”. São redescobertas, cinco séculos depois, da experiência que fez o homem entender que o mundo ia além do Mediterrâneo, que a Terra não era o centro do Universo e que a ciência expandia o conhecimento para muito além das prescrições religiosas.

O descobrimento da América foi um grande triunfo da hipótese científica sobre a percepção física. A invenção da imprensa provocou enorme curiosidade e uma sede crescente de informação e saber em todo o mundo.

Os homens de ciência se perguntaram se este nosso planeta é o centro do Universo e se a Terra é plana e finita. Os artistas refletiam sobre a presença humana na Terra, incluindo as formas dos corpos humanos, masculinos e femininos, e celebraram o aqui e o agora mais que a vida eterna.

Da expansão ultramarina europeia surgiu uma literatura denominada “crônicas de viagem”. Viajantes ou missionários europeus ao chegar às terras recém-descobertas da Ásia, África e América eram encarregados de produzir relatórios com informações sobre os costumes de seus habitantes, a fauna e a flora, além dos recursos minerais ali existentes. Nessas narrativas é abundante a presença de aspectos exóticos e pitorescos do Novo Mundo.

Ao descrever o que viam, os cronistas faziam comparações com o que existia no Velho Mundo de onde vieram. Não há melhor exemplo disso que o livro de Antonio Pigafetta, navegante florentino que acompanhou Fernão de Magalhães na primeira circunavegação do planeta. Sua crônica rigorosa das descobertas mais parece uma aventura da imaginação. Viu porcos com umbigo nas costas, árvores na ilha de Jauja, que em vez de dar frutos, davam linguiça. Pássaros sem patas cujas fêmeas chocavam nas costas do macho, alcatrazes sem língua com bico feito colher. Viu um animal com cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo e relincho de cavalo.  E conta que o primeiro nativo encontrado na Patagônia enlouqueceu ao ver sua própria imagem quando o colocaram diante de um espelho, com pavor de sua própria imagem.

Diante do sucesso de Pigafetta na Europa, surgiram os farsantes. Falsos viajantes que sabiam escrever e passaram a narrar coisas intencionalmente fantasiosas para vender seus livros. De cronistas a ficcionistas, herdamos uma zoologia fantástica, uma biologia de seres sem cabeça ou com asas, prontos para voar. Narrativas como essas são a fonte de nossa mais criativa literatura latino-americana, o realismo fantástico.

Tudo isso movido pelo que nos difere das outras espécies. A curiosidade que faz de cada um de nós um descobridor, como queria Borges.

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