Colunista
Fábio Campana

29.05.15
Mundo, mundo, vasto mundo
Foto: Reprodução/site revistaideias.com.br

Jorge Luis Borges nos diz em seu prólogo ao Atlas que descobrir o desconhecido não é uma especialidade de Colombo, de Simbad, de Érico, o Vermelho, de Copérnico ou de Pedro Álvares Cabral.

Não há um só homem que não seja um descobridor, diz ele. Começamos todos por descobrir o amargo, o salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco-íris e as letras do alfabeto. Passamos por rostos, mapas, os animais e os astros. Concluímos pela dúvida ou pela fé e pela certeza quase total de nossa própria ignorância.

Vem aí novo livro em que deixo aflorar o meu desmedido interesse pelas crônicas da época das grandes navegações e narrativas dos desvarios nesta área do planeta. Na verdade, estas “Crônicas recentes dos Grandes Descobrimentos” são redescobertas, mais de cinco séculos depois, da experiência que fez o homem entender que o mundo ia além do Mediterrâneo, que a Terra não era o centro do Universo e que a ciência expandira o conhecimento para muito além das prescrições religiosas.

Meu compadre Helio Vera, escritor paraguaio que há pouco nos deixou, tinha a convicção de que a fonte natural do realismo fantástico que domina as narrativas nesta área do planeta são as crônicas dos primeiros navegantes. Eles passaram por este mundo até então desconhecido para os europeus e voltaram dessas viagens com relatos fantásticos que alimentaram e ainda alimentam a imaginação dos leitoresem todo o mundo ocidental.

A literatura dos viajantes é de valor muito desigual. Entre eles houve de tudo. Padres, escrivães de bordo, grandes naturalistas, comerciantes, agentes diplomáticos, missionários protestantes, pintores, etnólogos, militares, médicos e até simples curiosos, aventureiros que tentaram a vida na América.

Hélio Vera agregava aos relatos dos navegantes a fantasia que fluiu da demência de alguns dos tiranetes produzidos mais tarde neste lado do mundo. Um de seus personagens emblemáticos era o general Antonio Lopes de Santana, que foi ditador do México por três vezes. Santana ordenou funerais magníficos para a sua perna, que perdeu na chamada Guerra dos Pastéis.

Outro. O general Maximiliano Hernández Martínez, déspota teosófico de El Salvador, que inventou um pêndulo para averiguar se os alimentos estavam envenenados. E cobriu o povo com papel roxo para combater uma epidemia de escarlatina.

O desvario não é privilégio dos déspotas. Está presente no coletivo, como acontece com essa legião constante de homens que ainda perfuram o solo paraguaio não para encontrar petróleo, mas atrás do tesouro que Solano Lopez teria enterrado em algum lugar entre Paso de La Pátria e Cerro Corá.

Loucura? Não. Estes relatos e lendas são parte fundamental da base de nossa formação cultural e contaminam nossa percepção e nossas próprias narrativas, dizia Hélio Vera. Muitas vezes de forma ilusória ou tão mentirosa quanto o monumento ao general Francisco Morázan, que está na Praça de Tegucigalpa. Na verdade é a estátua do marechal Ney, comprada em um depósito de esculturas usadas de Paris.

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