Colunista
Fábio Campana

03.09.15
Sombras
Tempestade em Bouzareah - Ilustração: Arthur Severn - Reprodução site/gutenberg.org

Enfrento dificuldades para conversar com os fundamentalistas. Foi-se a paciência do prosélito. Detesto pensar que fui um pregador de ideias que considerava verdades absolutas. Inquestionáveis. Agora desvio dos dogmas, das religiões fundadas na política chinfrim que tomou conta desta área do planeta.
Desisti  do debate com quem não ouve, só diz. Não quero me indispor com pessoas que aderiram à burrice e à intolerância. Lamento que pessoas inteligentes, sensíveis e criativas com quem convivi, especialmente entre os artistas e intelectuais nativos, permaneçam aferradas a um projeto que afundou o país em crise e desgraça os brasileiros. Projeto que foi esperança e hoje é decepção.
Leio Czeslaw Milosz, poeta polonês, Nobel de Literatura de 1980, que escreveu “Mentes Cativas”, onde descreve com precisão assustadora como o ambiente, marcado pela submissão e pelo fanatismo, “cria separadamente os estágios sobre os quais a mente dá passagem à compulsão do nada”.
A rendição intelectual, segundo Milosz, cria um “universo de sombras ambulantes”. Ele se referia ao ambiente intoxicado de um regime de partido único instalado à força, num país dominado e subjugado de fora para dentro. Mas, nem sempre a força é ferramenta indispensável para subjugar as mentes. A rendição pode ser voluntária, como é voluntária a rendição aos dogmas de fé das religiões.
Esse tipo de rendição suprime o senso crítico, que é fundamento da independência intelectual, e produz abjeções como o discurso póstumo de Lavrenti Béria no funeral de Stálin – “o grande arquiteto do comunismo, guia genial”, por quem “nossos corações estão cheios de tristeza infinita”. Essa obra-prima da bajulação não impediu que oito meses depois do enterro do guia genial Béria fosse fuzilado por traição.
É constrangedor ver que mentes, outrora brilhantes, tenham se consumido nas sombras da ignorância. Fico indignado quando ouço o discursinho medíocre dos bolivarianos que, à falta do que dizer, não economizam grandiloquência retórica para saudar seus líderes – Presidenta, Guia, Timoneiro, Grande Líder, Comandante, Chefe Supremo – todas essas bajulações que conduzem ao ridículo.
Nem nos momentos mais caricaturais do populismo explícito que assola desde sempre este subcontinente será fácil achar uma fase tão estupidificante. Nunca antes na história deste país vivemos a manipulação grotesca das palavras e a instrumentalização descarada de um movimento social. Regredimos às cavernas.  E mais chocante é tudo isso quando se percebe que a democracia que tanta luta custou, para muitos passou a ser apenas um meio de agarrar-se ao poder para desfrutá-lo sem medidas e sem limites.

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