Colunista
Fábio Campana

05.03.13
Sonhos

Sonho quase todas as noites e ao contrário do que me acontecia, eu lembro nitidamente dos personagens e dos enredos.

Bom é que diminuiu a frequência de um sonho recorrente. Pesadelo horrível que me ficou dos anos de chumbo.

Agora meus sonhos são agradáveis, embora não faltem discussões exaustivas com figuras com quem jamais estive, mas que certamente gostaria de ter conhecido. Às vezes, alguns finais infelizes.

Manuel Antonio de Almeida sempre me visita e eu insisto para que ele não faça aquela viagem de barco que acabou em naufrágio e tirou-lhe a vida aos 30 anos. Se me ouvisse, com certeza nos daria muito mais que “Memórias de um Sargento de Milícias”.

Tenho conversado com André Rebouças, que me relata a sua indignada posição sobre os mandachuvas da terra que lhe aplicaram uma estafa nos negócios da construção da estrada de ferro da Graciosa. Pois, pois, quanta vergonha pelos nossos conterrâneos.

Machado, não o Vicente, mas o verdadeiro e único Machado, o de Assis, só me veio uma vez, com muitos conselhos. Contei-lhe as minhas decepções com alguns hominídeos de péssimo caráter e indigente literatura. “Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar”. Rubem Braga, que o acompanhava nessa visita, assentiu com um leve gesto afirmativo.

Nem todos são assim tão claros e lineares. Ontem sonhei que ela, sempre ela, era Alice e deslizava pela abertura da toca do Coelho Branco, numa descida que parecia não parar nunca. Ela me olhava e dizia “ou este poço não tem fundo, ou esta queda não tem fim”. Caímos sobre um monte de folhas secas. A descida tinha terminado. Estávamos no país das Maravilhas, terra do Chapeleiro Louco, da Lebre de Março, do Gato Caçoador. Assustadora foi a presença de alguns personagens da política nativa, mas que fazer?

Sonhos assim, coloridos, vibrantes, são raros. Outros me trazem ao leito algumas mulheres de meu altar das admirações. Ava Gardner, Anita Ekeberg, Brigite Bardot e Anouk Aimée são as mais frequentes. Tenho pensado bastante em Sophia Loren antes de dormir, com a esperança de que ela também venha. Qual o que. Nunca apareceu, a ingrata.

Não se assustem os patrióticos nacionalistas, há espaço para as nacionais. Norma Bengel, naquela cena de “Os Cafajestes”. Danuza Leão em Paris. E todas as bravas meninas do teatro rebolado.

E agora a confissão maior. Devo dizer que ela é uma senhora desta área chuvosa do planeta, a aparição mais gratificante de todas. Sempre é anunciada pelo coro da nona de Beethoven. Não direi seu nome. Jamais. Sou um cavalheiro ou pretendo ser e nem ela nem Beethoven sabem do que se passa em meu sonhar. Namoro-a à traição. Só eu sei, ela nem suspeita do que acontece em meus sonhos, inclusive nos que ocorrem quando estou bem desperto.

Pois, pois, creio que não há mal em tanto sonhar. São sonhos sem consequências e acredito que não mereçam que sejam levados a um psicanalista. Nugas, diria um bom lusitano. Além de Freud, outros deram grande importância aos sonhos. O maior poema da humanidade foi concebido a partir de um sonho de Dante. Jacó sonhou com a escada com anjos que subiam e desciam dos céus. José, vendido como escravo pelos seus irmãos, adivinhou o sonho do faraó e tornou-se primeiro-ministro.

Meus sonhos não dão para tanto. Mas têm sido um bálsamo, especialmente quando ela surge e me diz “mon amour”, em francês que só Jeanne Moreau, em “Jules e Jim”, soube dizer.

Disse?










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