Colunista
Fábio Campana

02.09.13
Santa ignorância

Ah, a santa ignorância. Uma das origens dos males de nosso tempo é a meia cultura dos demiurgos. Uma rápida olhada na internet é suficiente para avaliar a que ponto chegamos.

Um distinto cavalheiro postou em sua página a sua grande admiração por Isaac Newton. Se disse maravilhado com a descoberta da lei da gravidade que teria resultado da queda de uma maçã sobre a cabeça de Newton enquanto ele repousava sobre uma árvore. Ora, pois, qualquer colegial provido de neurônios ativos sabe que essa é uma lenda como tantas outras. Levá-la a sério é uma estultícia digna de um beócio.

Pobre Newton, mas ele não está só. Einstein ficou famoso pela frase “tudo é relativo” que jamais pronunciou e que lhe fez gastar um terço de sua vida a refutá-la. Qual o quê. Continua a ser repetida milhares, senão milhões, de vezes por dia na internet e a ele atribuída.

Ernesto Sábato lembra que a fama costuma ser produto de acontecimentos contingentes ou equivocados. Franz Liszt se tornou famoso pela sua Rapsódia Húngara nº 2, uma de suas piores composições.

Baudelaire é conhecido por um título que poderia ser de J. G. de Araujo Jorge, um poetastro dos anos 50 que emocionava moçoilas e balzaquianas com seus versos tão açucarados que eram proibidos para diabéticos.

O nosso poeta nativo, Paulo Leminski, é mais conhecido pela multidão de fãs pelas poesias ligeiras, boutades publicitárias, que pelo melhor de sua produção, o Catatau, livro que pouquíssimos leram. O pior é que lhe atribuem frases e chavões que jamais cometeria.

Isso é comum na internet. Fernando Pessoa é transformado impiedosamente num imbecil pelas frases que lhe atribuem no Facebook. Clarice Lispector, então, é invocada para justificar comportamentos melífluos com frases, poesias e textos que jamais escreveu. E se tivesse escrito renegaria desde o túmulo.

Isso não é tudo. A glória muitas vezes se equivoca porque a maioria não consegue passar da superfície. Mesmo quem lê Shakespeare, Proust, Cervantes ou Borges, costuma gostar na obra desses autores os seus defeitos, não as suas qualidades.

O mesmo acontece com as frases históricas. Quase sempre os seus criadores as colocam na boca de personagens famosos que as teriam pronunciado em batalhas, na câmara de torturas ou até na guilhotina. Ninguém pronuncia frases célebres nessas circunstâncias. A posteridade as cria assim como tantas lendas e outras coisas. Laboriosamente. Como a carta testamento de Vargas ou o grito de independência de Dom Pedro I. É deste engodo que se faz a meia cultura, mal de nosso tempo mais maléfica que todas as pestes.

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