Colunista
Fábio Campana

10.10.13
Meu papa inesquecível
Foto: Tânia Rego / ABr

Eu jamais imaginei que ideias liberais viriam de uma papa. Pois este Francisco surpreende católicos, não católicos, e alguém como eu, agnóstico, que tem em sua formação uma dose robusta de anticlericalismo herdada da veia anarquista da família.

Pois devo confessar meu entusiasmo por esse papa Francisco que devolveu humanidade ao posto. Francisco se apresenta como homem comum, um pecador que reza na cadeira do dentista e que tem horror de proselitismo. Homem que tem hábitos simples e arraigados e se sentiu aprisionado no Palácio Pontifício. Um papa que ama Mozart e Dostoievski. E, como eu, tem uma queda por filmes italianos. La Strada, de Fellini, é o seu favorito. O meu Fellini é o 8 e 1/2.

Mas o que mais me impressionou foi sua coragem de dizer o que parece contrariar a absoluta maioria dos clérigos. Ele insiste na autonomia das consciências e diz que “o proselitismo é uma bobagem, que o importante é escutar-se e se conhecer”.

Diz ele que a Igreja deve abrir-se definitivamente à cultura moderna e abandonar seu caráter “vaticanocêntrico”, seu apego aos interesses temporais.

Francisco defende, por exemplo, que a Igreja tem o direito de manifestar as suas opiniões, mas não pode interferir espiritualmente nas vidas de gays e lésbicas.

Foi mais longe. Criticou religiosos obcecados em pregar sobre o aborto, casamento gay e contracepção — e disse que escolheu não falar sobre isso. Aproveitou para esclarecer que nunca foi de direita. Uma pecha que lhe aplicaram na Argentina, quando exigiam dele uma posição pública e forte contra o regime militar. Desde essa época, Francisco defende que a Igreja encontre um equilíbrio maior entre as missões espirituais e políticas para evitar que a base moral da instituição desabe como um castelo de cartas.

Outra afirmação espantosa para os conservadores foi sua defesa de que as mulheres tenham um papel maior nas decisões da Igreja. “Temo a solução do ‘machismo de saias’, mas os discursos que escuto sobre o papel das mulheres são frequentemente inspirados em uma ideologia machista. As mulheres estão formulando perguntas profundas que devemos enfrentar. A Igreja não pode ser ela sem a mulher. A mulher é essencial para a Igreja. Maria, uma mulher, é mais importante do que os bispos”, disse Francisco. Agora imaginem os maus bofes de boa parte dos clérigos.

Enfim, em linguagem clara e direta, Francisco diz que a Igreja Católica deve ser uma casa para todos e não “uma pequena capela” concentrada na doutrina, na ortodoxia e numa pauta limitada de ensinamentos morais.

Diz meu amigo Vicente Ferreira que essas afirmações do papa não rompem com a doutrina católica, mas mostram uma nova abordagem que passa da censura ao engajamento. Segundo Francisco, sua primeira missão é mudar a atitude da Igreja.

“A Igreja algumas vezes se aferra a coisas pequenas, regras de mentes fechadas. O povo de Deus quer pastores, não clérigos que atuem como burocratas ou funcionários do governo”, diz Francisco.

O mundo poderia aprender muita coisa com Francisco.

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