Colunista
Luiz Fernando Pereira

24.02.14
Minha passagem pela UNE

Fui apresentado pessoalmente à União Nacional dos Estudantes no Congresso de Campinas, em 1991. Antes disso, para mim e outros tantos militantes do movimento estudantil, a UNE era uma entidade mítica. Conhecíamos a história, ouvíamos falar, mas na vida real não existia. Fundada na década de 30, a UNE tinha sido protagonista de grandes momentos da República. Andava meio apagada, mas a UNE era a UNE. Sempre.

Eu tinha sido presidente do DCE da PUC e fui procurado por um militante do PC do B do Rio Grande do Sul para “tirar delegados”, na linguagem do movimento estudantil. A ideia era eleger delegados ao Congresso e engrossar uma chapa que disputaria a direção. Ainda sem entender muito o porquê e o para quê, lá fomos nós a fazer eleição para delegados ao Congresso da UNE. Ajudamos também noutras faculdades. Montamos uma boa bancada aqui no Paraná. A UNE era presidida pelo gaúcho petista Cláudio Langone. O PC do B queria retomar o controle da entidade – o que acabou acontecendo. Aliás, a UNE segue ininterruptamente do PC do B até hoje.

No Congresso, não sem boa dose de surpresa e curiosidade, recebi o convite para ser candidato a diretor da UNE, na chapa liderada pelo PC do B. Patrícia de Angelis, gaúcha, era a candidata a presidente e um paraibano, estudante de medicina que eu conheci no Congresso, a secretário-geral (Lindbergh Faria, hoje senador pelo PT do Rio de Janeiro). Disputa apertada, ganhamos. Virei diretor de escolas particulares da UNE.

Mas o Congresso da UNE me impressionou mesmo pela diversidade. Muito diferente do movimento estudantil que existia aqui no Paraná, tinha de tudo por lá. Muitas correntes trotskistas, algumas ainda abrigadas no PT, como a Convergência Socialista (atual PSTU) e a Juventude Revolucionária da Causa Operária (atual PCO). Os stalinistas da JR-8, do MR-8 (agora rebatizado de PPL). Além de juventudes organizadas de partidos como PT, PC do B, PCB e PDT. Lá pelas tantas me apresentaram o líder nacional da juventude prestista (a turma de Prestes). Tinham uma boa bancada.

Observava com muita curiosidade a movimentação dos anarquistas, à época comandados (o termo, devo reconhecer, é impróprio para a turma de Bakunin e Proudhon) pelo paranaense Iran Dudeque. Em todas as propostas submetidas à votação, os anarquistas votavam, sempre juntos, SIM, depois confirmavam o NÃO e, por fim, confirmavam a abstenção. Galhofa anarquista. Até que um gênio da direção da UNE resolveu votar a proibição de um delegado votar em mais de uma opção. Pois os anarquistas levantaram o crachá na hora do SIM, do NÃO e da abstenção na inusitada proposta e desmoralizaram a tentativa de ordenar. Foi assim até o final do Congresso.

Eleito, tomei posse em tumultuada manifestação em Brasília, já radicalmente contra o então presidente Collor (o impeachment seria no ano seguinte, com a UNE já então presidida pelo mesmo Lindbergh).

Diretor empossado, a primeira tarefa seria uma reunião para discutir o então projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Sem conhecer muito bem como funcionavam as coisas na UNE, estudei o projeto e fui a São Paulo (a sede do Rio estava desativada). Havia uma reunião prévia com o outro diretor de escolas particulares, conhecido como Tatu. Logo vi que o tal Tatu não tinha lido coisa alguma do projeto. Não demorou, fomos almoçar. Sugeri o McDonalds. Tatu quase me insultou: – ficou louco, você não sabe que estes caras fazem hambúrguer com carne de minhoca? Fiquei seis meses sem comer Big Mac. Foi o maior impacto da UNE na minha vida.

Meio decepcionado, segui diretor, participando de reuniões e encontros pelo Brasil. Claro que havia bons quadros e alguns debates interessantes – a maioria ininteligível para tempos atuais. Ainda como diretor, fui a mais um Congresso, responsável por eleger Ricardo Gomyde, depois deputado federal, para a mesma Diretoria.

Formei-me logo em seguida. A convite de Lindbergh, uma das minhas primeiras causas foi a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em nome da UNE contra a Lei de Mensalidades. Perdemos, mas com o voto favorável de Sepúlveda Pertence, ministro do Supremo que tinha sido vice-presidente da UNE. Ainda acompanhei um pouco as gestões dos meus amigos Fernando Gusmão e Orlando Silva (depois ministro dos Esportes). Depois a UNE sumiu da minha vida.

Há alguns meses, no final de 2013, fui convidado para discutir reforma política na UFPR. Na mesa comigo estava a atual presidente da UNE, a pernambucana Vic Barros. Fiquei um tanto saudosista. Acho que vou ao próximo Congresso. Em tempo de “rolezinhos”, quero conferir se anarquistas e prestistas ainda estão por lá.

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