Colunista
Marcio Renato dos Santos

09.04.14
Bia

Beatriz foi chamada de Bea até a adolescência e, depois dos dezoito, é a Bia, a mesma que agora segue como se fosse uma suicida em cima de uma bicicleta em meio ao trânsito do centro. Motoristas tiram fina, ônibus quase a atropelam enquanto ela pedala. É bióloga em uma empresa que paga o seu salário com o dinheiro da venda de perfumes – ela atua na área de proteção ambiental.

São 9:24.

Bia acordou atrasada. Ontem, entrou no Face só pra ver se havia alguma mensagem e ficou mais de uma hora. Os seus amigos e conhecidos da internet estão cada vez mais agressivos – ela pensou nisso ao desligar o computador. Abriu uma garrafa de vinho tinto e pegou um caderno. Um brinde, desejou a si mesma, antes de escrever o nome dos treze homens e quinze mulheres com quem ficou nos últimos três, quatro anos.

Um entregador de encomendas, dirigindo uma moto, quase faz Bia cair da bicicleta. Ela escuta e canta People are strange, do Doors.

São 9:36.

Se não houver imprevisto, vai escutar Honey, do Moby, Pur, do Cocteau Twins, Um dia comum (em SP), do Suba, e Epistrophy, do Thelonious Monk. Estão em sequência no aparelho portátil que armazena faixas musicais que ela ganhou do Guga, um carinha, gordinho, que conheceu em janeiro.

Bia ganhou bodes em uma rifa, alugou espaço em um sítio e começou uma criação. Os caprinos se reproduziram, ela nem lembrava mais dos bichos, mas estava frequentando a macumba chique e, lá, alguém precisava de bodes para uns trabalhos.

A bióloga passou a fornecer bodes pra macumba. Quem pedia era o Douglas, um produtor cultural que sempre vestia, literalmente, a camisa dos projetos, onde quer que estivesse. Inclusive no terreiro. Quando tinha equipe de jornalismo, ele dava entrevista por, naquele momento, e geralmente apenas naquela situação, receber alguma entidade. Bia começou a perder a fé naquilo, na macumba, por causa das performances do Douglas. Uma noite, ele a convidou pra sair. E brochou. Mas isso faz tempo.

Agora, já são 10 horas.

Chove. Bia tem a impressão de que há mais carros nas ruas do que nos outros dias. Ela lê no muro a frase “Uma mulher sem homem é como um peixe sem uma bicicleta”. Consegue identificar o nome da autora da frase: Gloria Steinem. Se estivesse caminhando e com papel e caneta, anotaria aquilo. Também poderia tirar uma foto com o celular. Mas não. Tem pressa. E não entendeu o que a autora quis dizer.

Bia segue.

São 10:17.

A bióloga entrou em uma avenida que faz com que ela fique cada vez mais longe do escritório. Hoje Bia não vai trabalhar. Isso ela decidiu agora. Existe outra urgência. Conversar com Anita, a DJ, a que sempre tem uma frase, “não vá para a cama no primeiro encontro” ou “nunca deixe perceber que o jogo está ganho”. Anita e Bia foram para a cama no primeiro encontro e a bióloga nunca escondeu que, desde a primeira troca de olhares, estava a fim da DJ.

“No amor, as mulheres são profissionais; os homens, amadores.” Anita enviou essa frase do Truffaut para Bia pelo Face. A bióloga lembra disso enquanto pedala e gostaria de sussurrar, neste instante, para a DJ: “Que bom. Então, vamos aproveitar o nosso profissionalismo?”.

Bia sorri.

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