Eu te vejo como água
nunca em copo de cristal
posto que tudo lembre
um pouco da tua calma
e do frescor que cinge teu ser,
ainda mais se ao vidro se junta
o rorejar das pedras que suam.
Contemplo a água misteriosa
que desce a escarpa e mapas não acusam
e ágil constrói seus próprios vales,
minúsculos rios navegados de fantasia
e banha o verde-musgo que lhe assume
por instantes a variedade cromática.
Da horizontalidade condenada
tua ânsia de liberdade, insólita,
faz o impossível: projeta-se em vertical
numa reversão do abismo.
Sorvo esta linfa que constrói seu leito
no lajeado, na rocha esculpida
pela suave torrente num infinito bambuzal:
com as mãos em concha te bebo com unção
ou me debruço para molhar a fronte,
mergulhar a boca, os olhos, tudo,
afogar-me, enfim, em tantos sortilégios.
Quem me dá de beber e em mim permanece,
que me dá abluções e dessa forma me renova
e me faz outro, original, batizado e retemperado,
lúcido de bem-estar é quem me nutre e quem me lava.
Como Narciso me descubro, a imagem flutuando
numa das curvas do regato e sofro a dureza
da condenação: a de que sorvo, não sou sorvido
e a de que bebo, não sou bebido.