Colunista
Luiz Geraldo Mazza

16.10.14
Uma cordialidade radical
Imagem: Reprodução/site sonofthesouth.net

Quando se analisa a essência da acomodação mais do que política, porque até de natureza psicossocial, que caracteriza nosso Paraná, uma das variáveis que a integram é, sobretudo, a da cordialidade. O argumento de que se pode fazer de tudo quando sustentado pelo sentido de aproximação, da busca do consenso, é uma das estacas do sistema. Às vezes teme-se o efeito da palavra forte e me lembro que isso se deu comigo em 1952, no Palácio São Francisco, quando Bento, o governador, recebeu a maioria parlamentar justamente na sequência dos rituais do envio da mensagem ao Legislativo. Como não domino a taquigrafia, anotei, com relativa segurança, as frases fortes com que o governador brindou parcela da oposição. “‘Quanto a essa oposição que me fazem, conheço-lhe as raízes: sei os métodos que poderia empregar para anulá-la, mas não pagarei aos vendilhões do templo o preço que eles pedem pela unanimidade...” E depois o Requião e o Alvaro Dias se acreditam grandes oradores.

Haja incoveniência
Ora a oratória beligerante é algo de inconveniente para relações como as nossas, tanto que o presidente da Assembleia, criminalista e orador de júri, Laertes de Macedo Munhoz, ao ouvir a réplica de Accioly Filho, líder da oposição, que rendeu duas páginas na Gazeta do Povo e de O Dia, tentou atribuir ao repórter, no caso este escriba, uma interpretação destoada do original. Ocorre que o diretor da Comunicação Social, o médico, cientista e jornalista Homero de Mello Braga, é que aprovara o meu texto como fiel à fala de Munhoz da Rocha. Mas a mediação de Laertes Munhoz tinha sentido clânico, o da nossa busca de aproximação, de driblar o conflito.

O contraditório
Apesar do brilho do intelectual e sociólogo Munhoz da Rocha e o fato de estarmos na véspera das celebrações do centenário do Paraná havia oposição e bem mais arregimentada que a atual. Além de um talento como o do professor Accioly Filho, tínhamos ainda Hélio Setti e o diplomata Mario Faraco. Obras como o Centro Cívico eram submetidas a ataques, ainda mais em função do impacto das geadas na cafeicultura: Bento fazia improvisos que empolgavam todos os congressistas que aqui vinham em mais de quatro eventos (nacionais, mundiais e regionais) diários. Um dos mais tensos foi o de um banquete em que Bento defendeu a cafeicultura e Assis Chateaubriand, senador e dirigente da rede associada de jornais, rádios e televisão, a atacou, como inapropriada ao Paraná, que na sua perspectiva deveria ter se mantido florestal como um Canadá.
Uma das coisas impensáveis hoje com o domínio das “caixas pretas’’ é o fato de Munhoz da Rocha, quando decidiu a construção do Centro Cívico, ter reunido familiares, conforme depoimento de sua esposa, Flora, alertando que se soubesse de qualquer indício de participação de parentes em função da área escolhida que faria a indispensável e contundente denúncia.

Nossa mídia
Aliás, a mídia era dominantemente de Lupion, que tinha a melhor rádio, a Guairacá, O Dia e boa parte das ações da Gazeta. Criou-se o jornal para cobrir o novo ciclo, primeiro com O Estado do Paraná, e em seguida com O Diário do Paraná, da rede associada de Chateaubriand. Pelo menos nesse aspecto havia conflito, mais tarde, prejudicado pela ação de cooptação de Ney Braga, que conseguiu tudo, inclusive do jornal Última Hora, o maior fenômeno massivo que tivemos. Hoje temos a mídia, por vezes rebelde, mas o governo é a negação daquele pique do neysmo e não o de agora, mas desde que o PMDB e depois o PSDB o aportaram.
Persiste, no entanto, a cordialidade como se não tivéssemos conflitos. A vinda do CNJ foi um convite à reflexão, o lado bom do trauma, como agora se deu com a correição no MP local do Conselho Nacional do Ministério Público. Essas intervenções externas são um maná bíblico para jogar um pouco da verdade oculta em nossos olhos cultores da acomodação e do consenso.
O que não pode, convenhamos, é ficarmos sempre na dependência de ações externas (polícia, MP e Justiça Federal; órgãos de controle e Tribunal de Contas da União),  para que a nossa autarquia seja devassada em seus pecados, nem sempre veniais.

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