Estou no campo do Juventus, Estádio Franklin Delano Roossevelt, no Batel, num jogo do Coritiba. Atrás do gol, não me conformo com um impedimento marcado pelo Ataíde Santos, o árbitro e o chamo de ladrão. Ataíde, com a classe de um Cesar ao ser apunhalado por Brutus, não usa o latim “tu coque, Bruti, fili mi” (até tu, Brutus, a quem considerava meu filho!), mas me pune secamente “até você, Mazza?”, pondo em relevo a minha grosseira incivilidade.
Convenci-me também nesse caso que Curitiba é um ovo, no meio da suposta massa o homem me descobre e pune pedagogicamente com a identificação. E depois ainda uns delirantes imaginam estádios de 100 mil torcedores. Pra magoar alguém um curitibano transformaria a pessoa visada num albino no Maracanã.
A companheira Estou no “puleiro”, a barra pesada do cine Santa Helena em Paranaguá de olho no filme “A companheira de Tarzan”. Se Adão, de cara, encontrou Eva, o rei das selvas demorou um pouco mais. Daí a ansiedade com que fomos ver a bela Jane, Maureen Sulivan, mãe da Mia Farrow, pela vez primeira. Logo numa tomada daquele lar rústico em cima das árvores, Jane prepara o café da manhã para o homem macaco e leva um ovo gigantesco de avestruz. Nessa hora, um parnanguara não se aguenta e grita “É o ovo de Fonc”. Foi o suficiente para quebrar o pau no cinema. As luzes foram acesas e a vigilância redobrada para evitar a baderna. Maldade e morbidez no saque: o cidadão referido era funcionário da Força e Luz e sofria de orquite que agigantava a bolsa escrotal.
Mais crueldade Uma das famas, hoje amainada em Paranaguá, aliás comum nas cidades litorâneas como Itajaí, São Francisco, Antonina, Floripa, era a de dar apelidos, alguns talentosos como o feito em cima do escritor Wilson Galvão do Rio Apa. Ele e a mulher, Esther, e os filhos Kim e Thor, estão na estação ferroviária. Rio Apa com a sua barba nazarena, o cabelo comprido e o “jean sablon”, uma blusa da época vertida ao popular para “caga em pé”, chama a atenção e um chapa da plataforma pergunta de quem é a carga a transportar. Outro arremata: “É do Jesus Cristo em férias”.
Essa é divertida, mas há uma crudelíssima: havia nas imediações da estação um pobre ser que vivia, sem braços e pernas, numa caixa de papelão. Apelido terrível: croquete. O autor deve conviver com Belzebu.
Passarinho, ave e jogador O Coritiba enfrenta o Seleto em Paranaguá. Alcione, lateral esquerdo do time da cidade, durão, não suporta os dribles do ponta direita Passarinho e aplica-lhe uma voadora. O jogador rola no gramado e a torcida, no primeiro momento, aplaude, afinal o drible, em certas circunstâncias, como diria Ortega y Gasset, é uma desonra. Mas de repente, tomada por um sentimento agudíssimo de culpa, daqueles de desafiar Macbeth, a torcida, a mesma que ululava, entra em profundo silêncio, preocupada com a hipótese de uma fratura. E no meio do silêncio sepulcral a vozinha característica do litorâneo com a receita “assopra no cuzinho dele que ele levanta”. Aquele gesto comum dos meninos, dando pelotadas nas aves e quando as derrubavam e pretendiam salvar davam o sopro milagroso, quase um boca-a-boca dos nossos dias contemporâneos.
Como Ben Hur Uma das manias curitibanas é tirar as pessoas da roda para falar em particular ou pior ainda intervir, interrompendo a conversa. Estou na Boca Maldita e dois amigos, tidos na praça como “caras de cavalo” por causa do rosto comprido e alongado, me afastam da turminha, afetivamente, mas com alguma força me tiram da “chacrinha”. Quando vi a situação com aquelas duas criaturas me conduzindo na direção da Praça Osório não perco a deixa e lembro que estou ali como um Ben Hur conduzindo uma biga romana. Na verdade mais sendo conduzido do que conduzindo o reverso do “teaser” da bandeira paulista: “Ducco, non duccor”. Conduzo, não sou conduzido. Infelizmente não cabe para nós paranaenses quase sempre a reboque dos outros.
Aliás sobre símbolos paranaenses há uma piada genial do Joffre Cabral Silva sobre o homem que aparece com uma foice, hoje querem substituí-lo pelo semeador, configurando a agricultura: “Esse é um curitibano com um alfanje na mão pronto para cortar a cabeça do primeiro que tente aparecer”.