Colunista
Luiz Geraldo Mazza

11.07.13
Curitiba, esta carbonária e também a bem humorada

Com a onda de protestos que tomou conta do País, a pretexto do aumento das tarifas de ônibus, mas com abrangência bem maior, como expressão claríssima de insatisfação até de ordem existencial, Curitiba embarcou. Entre os clichês negativos da sociologia de bolso está o de que ela é introvertida, imune a explosões mais fortes com seu Carnaval menos festejado do que as procissões religiosas e sua contenção burocrática.

Quem já ouviu falar da revolta do tostão, com os comerciantes da cidade se opondo ao governo em função de tributos, no início da história da Associação Comercial, conforme o testemunho recente de Nilson Monteiro, sabe que o arquétipo nem sempre é justo. Como de resto, segundo o governo Lupion, sob o comando de Oscar Schrappe Sobrinho, a ACP teria recomendado que os tributos não fossem pagos, apesar de ameaçada de infringência da LSN – Lei de Segurança Nacional. É de se crer até que tal movimento tenha ajudado a base doutrinária do “poujadismo” francês que pretendia abolir todos os tributos.

 

Pente que pentelha

Mas se houve a revolta do patronato, tivemos também a da galera, como a da Guerra do Pente, que submeteu a Capital a estado de sítio, com a Polícia Militar se dando por vencida na batalha das ruas com a multidão enfurecida. O Exército, mais respeitado do que a PM, por ter esta o ônus da contenção dos conflitos, interveio e tudo acabou. Por que o Exército entrou na parada se o front era da milícia estadual? Segundo relatos da época, tudo aconteceu na mansão do Caluf, na comemoração do ingresso do padre Emir no sacerdócio, e, como um repórter anunciou, enquanto o povo era espaldeirado nas ruas, o comandante da 5ª Região estava na recepção, a escumalha foi lá e jogou uma pedra no carro do general. Isso teria levado à intervenção dos blindados do Boqueirão, que tomaram as ruas de Curitiba. Por sinal, a batalha ganhou um tom étnico: o objetivo do quebra-quebra era loja de árabe, por ter o incidente nascido de uma discussão entre um “brimo” e um PM aposentado e girava em torno da nota fiscal do pente por ele comprado. A lei que estimulava a nota fiscal do também árabe Anibal Curi habilitava o contribuinte a participar do concurso “Seu Talão Vale um Milhão”, que exigia um mínimo de 50 cruzeiros em compras para conceder o talão, e o preço de um pente não passava de 8 cruzeiros. Do conflito, com sopapos e fratura, nasceu a tensão que se estendeu por toda cidade.

 

Neve, outra desmitificação

Do acervo de estereótipos sobre Curitiba, além daquele que ela é exigente em inovações artísticas, o que é altamente discutível, há o de ser consumadamente exemplo de mau humor, o que foi desmistificado com a neve de 1975, como se o maná bíblico dos flocos tivesse tirado o curitiboca do armário com alegria nunca vista e partilhada de forma solidária. Um senso comunitário, fraternal, jamais visto, marcava a forma como toda cidade recebia a novidade: lembro dos executivos do Bamerindus no calçadão numa disputa-pastelão de bolas de neve com o proletariado, e, mais do que isso, com os lúmpens, ali representados por engraxates e flanelinhas, uma alegoria artística, carnavalesca, da luta de classes, mais ao gosto do Groucho, por ser mais humana, do que do Karl Marx.

Ficou provado que há um timbre mal explorado nas pessoas da cidade cinza e que se transformou, com esse sinal transcendente da solidariedade, melhor do que a anunciada na cafonice dos comícios e dos supostos atos libertários.










TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: