Colunista
Luiz Geraldo Mazza

02.09.13
Uma alegoria de “O Alienista”

Com as ações do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, Gaeco, corre-se o risco de vermos o Paraná transformado num imenso presídio para os policiais que torturam, como no caso de Colombo, sequela dos inquéritos que apuram a morte da menina Tayná, ou dos que “mordem”, conforme a denúncia do Ministério Público Estadual de concussões crônicas em cima de lojas de vendas de autopeças e nas suas relações com os desmanches.

A frequência com que se deram tais fatos levam a crer, se ficarem provadas as acusações, que poderemos dentro em pouco, justamente na hora em que o governo Beto Richa tenta recuperar os efetivos da Polícia Militar e da Polícia Civil, ter mais gente, agora não apenas cuidando de presos, mas também nessa condição, do que prevenindo e reprimindo a criminalidade.

Seria de agudo non sense termos boa parte do contingente civil e militar encanado pelas várias formas de desvio de conduta, da propina à porrada, aí restabelecendo a alegoria do conto de Machado de Assis “O Alienista”, com uma atmosfera apropriada hoje ao que chamam de “realismo fantástico”, moda de tantas décadas depois, com uma cidade inteira condenada ao manicômio pelas generalizações de um psiquiatra.

 Haja promoção

Como governos se esmeram nas artes promocionais, mesmo ante o que é negativo, é óbvio que iriam destacar a sua luta contra os desvios corporativos ainda que o fizessem cortando na própria carne. Destacar-se-ia a diferença que há entre o trato aristocrático normalmente concedido à tortura política, o bloqueio ao pensador e ao ideólogo, e essa costumeira e aceita como praxe no interior das delegacias do “telefone”, do pau de arara, do choque elétrico, do empalamento, como sugerem ter havido no caso de Colombo.

Da mesma forma que PT e PSDB tentam impor que suas respectivas corrupções são de direita ou de esquerda, toleráveis ou abomináveis (já que o Trensalão é pelo menos em desvios de grana maior do que o Mensalão), também há hierarquia, deturpada justamente pela ideologia, entre a tortura dos martirizados e que lutavam por mudanças e a dos coitados e que foram apanhados como ladrões de galinha. E essa tortura primária, também por agentes de Estado, que tentam arrancar confissões impondo escalas insuportáveis de dor e sofrimento, é por acaso menos relevante do que a praticada por motivos políticos?

Sociedade doente

Quando a sociedade está adoentada por causa da banalização da violência como ocorre no Brasil e aqui entre nós há um setor do público que passa a defender a pena de morte, mesmo quando sabe que um erro judicial, bastante possível, por suas notórias deficiências, não tem remédio, insiste na ideia de que bandido bom é bandido morto, como se não fossem sociais as causas que os gerou e isso ficou nítido na manifestação de solidariedade aos presos de Colombo, inclusive por parte de familiares da vítima, a menina Tayná. Amálgama forte, de traço psicossocial, que convalida a violência, e que a justifica como um meio limpo para formalizar uma denúncia.

Com a evidência de que houve tortura, a polícia, como instituição, ficou mais preocupada com o crime derivado do que a solução do original, agora cada vez mais distante pelo fato até de o inquérito ainda enquadrar os quatro rapazes torturados. Um processo de formação de culpa em que a própria autoridade está admitindo que houve tortura tende a fragilizar a denúncia na fase judicial de forma radical, abrangente. E se demorarmos o que estamos vendo, como no caso da menina Rachel Genofre, encontrada em mala na Rodoferroviária, e isso em cinco anos, no episódio de Colombo, será intolerável. Erradicar a tortura dos nossos hábitos é uma necessidade imperiosa, mas se ela é inegociável, o mesmo se dá com a exigência, o quanto antes, da apuração dos culpados e seu processamento.

Qual a prioridade? A questão original do assassinato de Tayná, ora em parte obscurecida pela perda de foco com o acidente de percurso da tortura.

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