Colunista
Renan Machado

14.09.12
Diário de Tita

Encontrá-la foi difícil, dizia o investigador à Tita, ela, que tinha como único sonho se casar. Não pela comodidade, de jeito maneira. Certo que o emprego de caixa no supermercado pagava pouco, mas o motivo fugia longe disso. Queria sossegar o facho a danada. Baladeira hormonal. Encontrar um bom partido... Homem gentil com um salário dos bons. Não pelo dinheiro, mas a vida custa caro. No dia tal se dá vencimento das contas, sem exceção.

Durante muito tempo, continuou o investigador, imaginamos um salafrário insolúvel ou uma vagabunda dessas gostosas e experientes como cabeça desse esquema. Confesso a surpresa, minha e de meus colegas, ao chegarmos a você. Uma moça de bem, em tese. Um rótulo que será rasgado pela justiça. Minha querida, a senhorita, pois não vejo aliança em sua mão esquerda, será indiciada por Quebra de Sigilo de Personalidade e Análise Não-autorizada de Situação Pessoal do Cidadão: crimes previstos em lei. Agora, mesmo não estando sob juramento, apresento a você menina, e somente a você, uma prova substancial. Prova incontestável. No tribunal será a chave, a chave que vai coloca-la atrás das grades por um bom tempo... Eis aqui. O caderninho. Seu caderninho, onde em meio às notas fiscais e comprovantes de cartão de crédito, presos às páginas por clipes, você anotava impressões claramente estudadas. Perfis de homens a esmo. Acha que tenta fazer um trabalho que é nosso e não ficamos sabendo? Quer dominar o mundo? Não responda agora... Fique quieta. Lerei um pouco desse diário.

*  *  *

Alto, não tão bonito. Forte. Veste moletom e calça de tecido sintético. Esportista. Frutas diversas, sopa de caneca e os isotônicos que forram a cestinha reforçam a teoria. Bom partido complicado... Academia já!

Rasteja em direção ao meu caixa. Magrelo, barba por fazer. Traz nos braços cervejas e sacos de amendoim. Olhos cansados. Um verme completo. Casamento: “ô mulher, busca mais uma gelada”.

Dedo sem aliança, mas tem alguém que eu sei. Uma garrafa de vinho, queijos para a noite. Pão fatiado e manteiga para o café da manhã. Chocolate: mimo à pequena. Eu caso uma, duas, três vezes.

Por que tanto charme? Um grisalho que leva congelados e refrigerante. Feições bem definidas. Roça de leve minha mão ao receber o troco. Será que caso? Não caso não... Caso! Poderia ser meu pai.

*  *  *

Acho que já é o suficiente. Está vendo menina? Tudo aqui. Você não tem escapatória. Será massacrada no tribunal. Agora, não como investigador, mas como seu amigo, tenho de aconselhar-lhe: confesse. Confesse! É sua melhor opção. Com essa carinha de coitada, talvez o júri tenha dó de você. Conceda um abrandamento de pena. É isso. É o seu fim. O que vai ser? Tita, lacrimosa, engoliu em seco e gritou a plenos pulmões: “Eu confesso, não queria dominar o mundo, apenas me casar. Confesso!”.

 

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