Colunista
Renan Machado

17.12.12
MRS

Ainda da veracidade, melhor seria recusar-se a acreditar nos olhos miúdos. Este era, e é, o pensamento de Aníbal, ao recordar tal episódio grotesco. Optou por ocultar detalhes sórdidos; a cidade na qual lagarteava, infeliz, recostado numa cadeira de praia, porém, decidiu revelar sem mistério: Florianópolis, meu balneário, praia de Daniela. Um bonito nome para fêmeas – pensou ele. Obrigado acompanhava a esposa. A areia irritava-o, tanto quanto a sensação de abafamento: mormaço maldito. Com dificuldade tentava penetrar o livro pelo qual passava os olhos e misturava linhas. Uma leitura desconexa. Igualmente desconexa à relação entre Aníbal e praias. Martírio sem fim.

Não bastasse praia ser praia, um bando de marmanjos, seis ou sete, munidos de um enorme cooller e trajando bermudas demasiadamente compridas e repletas de estampas de cores berrantes, desceu a escadinha arenosa que, do calçadão, dava acesso à praia. De longe era possível ouvi-los. Entoavam canções bobas e mexiam com as mulheres que transitavam escondidas debaixo de biquínis minúsculos. Aníbal julgou-os como babuínos. Faltava-lhes, apenas, viver em savanas da África e enfiar o polegar no ânus para cheirar depois. Não me venham vocês, ecochatos – pensou consigo Aníbal –, defender espécimen asquerosa como esta.

O grupo prostrou-se em torno do cooller a alguns metros de Aníbal. O casmurro não poderia aguentar isso. Roía-se de raiva. As tripas fervilhavam. A leitura, já dantes desconexa, tornou-se de impossível compreensão. As canções seguiam. Que canção será essa? – questionava Aníbal. Nunca ouvira. No ar pescou a dica: “Chiclete, chiclete, quero chiclete, chiclete. Chiclete com Banana é irado, rapaz”. Que é isso?! Uma orgia musical. Aníbal enlouquecia, arrancava cabelos. O mundo perdido.

Os babuínos do cooller eram incansáveis. Pulavam, gritavam; balançavam os braços em ritmo frenético, como bonecões infláveis de posto de gasolina. O movimento era violento a ponto de Aníbal vislumbrar os animais rasgando os shorts de cores berrantes. Giravam feito peões e despedaçavam as vestes sem pena. Os trapos impregnavam as areias de Daniela com tons de laranja-cheguei e verde-limão. O espetáculo prosseguia com as sungas. A performance de compassos em pira-errada rasgava as sungas. Nada sobrava. Aníbal, ainda que horrorizado, ria como uma hiena com cócegas. Apelidou a intervenção artística dos imbecis de MRS: movimento dos rasga-sunga. Tendência. Os babuínos riam ainda mais. Nus, rolavam-se na areia: bananas empanadas. Sem chiclete.

Aníbal recolheu cadeira e marcou página no ininteligível volume que levara à praia. Jurou nunca mais voltar àquele balneário floripano, de nome bonito para fêmeas. Batendo as chinelas no calcanhar, subiu pela escadinha arenosa e tomou rumo de casa. Um casmurro tão habituado à solidão nunca engajaria num MRS, tampouco à cantoria do ritmo Chiclete com Banana. Para o inferno com chiclete, porra – exaltou-se Aníbal em caminhada.

Tags: renan machado;









TAMBÉM NOS ENCONTRAMOS AQUI: