Colunista
Dédallo Neves

07.05.14
A família de Filipe IV

Entediado estava com seu governo, com sua corte, com sua vida. Para distrair-se, foi ver um artista trabalhar, ordenou-lhe que fizesse um quadro seu, mas o artista, ousado e abusado, capturou outro instante.

Viu a princesa assustar-se com a entrada de seus pais, as suas amigas a fazer referências, outros empregados de pouca importância imediatamente cumprimentarem o rei, além de um intruso que invadia (ou deixava?) o salão. Isso que o artista viu. Um instante maestro, “vai deixar o rei de fora?” Nunca! O rei era tudo e era todos.

Fugiu da ideia inicial: fazer um retrato do rei com sua senhora. Fez uma cena, dentro de uma cena, dentro de uma cena, dentro de uma cena e assim no reflexo do reflexo criou a dúvida se a frente era o verso, ou o inverso era o front.

Havia coisas que só a corte entendia. Piadas que deram a luz e sepultaram-se no palácio, ou seja, ninguém além daqueles providos da cultura provinciana, isto é, palaciana, saberia captar a sofisticação do artista.

Por isso que a primeira vista quem olha a cena vê como protagonista a princesinha loirinha bonitinha, a parecer que todos estão ali a sua volta, para atender suas vontades. A sacada de mestre, no entanto, foi pintar o rei e a rainha num espelho, distante da cena, supostamente, principal. Eles estão lá, observem, ao lado da porta onde o intruso entra ou sai. O porquê da sacada de mestre? Todos, absolutamente todos, olham ou olhariam para o rei. Num governo absolutista, mais do que natural que todos o olhem, respeitem, temam: os que estão na cena olham e os espectadores (eu, você e toda a corte da época) também olham através do reflexo.

A ousadia do artista não foi fazer o rei pequeno e com pouco destaque, pois em última instância quem protagoniza a cena é o rei, afinal só existe aquela cena por causa dele, não se iluda em pensar que tem uma menina de perfil, ela certamente olhou e fez referências ao rei. A ousadia se apresenta em pintar no quadro ele próprio a pintar o rei, que por sua vez está lá naquele espelho. Diego Velázquez se fez grande e em bom tom à esquerda com sua paleta e seu pincel, mas como na Província, digo, no Palácio há coisas que só os palacianos entendem, quem protagoniza a cena é Filipe IV de Espanha absolutamente absolutista. Além das fronteiras da corte espanhola a comprovar a injusta incomunicabilidade da genialidade barroca de Velázquez, o quadro se chama Las Meninas, por causa das duas que acompanham a princesa, a palavra é portuguesa, mas em espanhol trazia o significado de dama de companhia.

Azar dos mal ou pouco compreendidos palacianos ou provincianos, que fazem suas artes apenas para suas províncias.

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