A nossa gastronomia resulta em grande parte do cruzamento da cozinha portuguesa com a africana e um tanto da que ficou dos indígenas. Dessa cozinha nativa restou pouco no Paraná. Muito pouco. Para se ter uma ideia, a obra inteira do Dalton Trevisan não tem uma receita sequer, em contraste com a volumosa gastronomia de outros autores, como Pedro Nava, Eça de Queirós, Proust & Cia. A única invenção paranaense para levar à mesa é o Barreado e, assim mesmo, há quem jure que sua origem remonta à culinária de além-mar.
Pois, pois, fiquemos com o Barreado. Bom prato. Aí vai a receita do Barreado antoninense. Em Paranaguá ele adquire ingredientes pouco prováveis na fórmula originária. Tomates, por exemplo, significam heresia para um antoninense da gema. Massa de tomates, então, soa a blasfêmia. Há, também, o Barreado de Morretes, mas os estudiosos desaconselham essa fórmula por louvor ao paladar, à saúde e à tradição. Vamos, pois, ao Barreado de Antonina, que se deve comer seguindo um ritual que começa com abrir a panela ao som de foguetório e do hino de Antonina.
Barreado
(10 porções)
Ingredientes
4 kg de carne (peito, coxão mole, patinho);
100 g de toucinho fresco;
3 cabeças de cebola;
10 dentes médios de alho;
Folhas de louro;
Cominho;
Sal;
Pimenta-do-reino;
1 maço grande de cebola verde;
Preparo
Inicie o corte e a limpeza das carnes na véspera. As carnes e o toucinho devem ser cortados em pequenos pedaços, adicionando-se todos os temperos cortados.
Leve tudo a uma vasilha que não seja de alumínio. Deixe repousar até o dia do preparo. Forre uma panela de barro (fundamental) com o toucinho e leve ao fogo para derreter. Depois, coloque as carnes temperadas, tampe a panela com uma folha de bananeira, previamente sapecada na chapa para amolecer.
Coloque a tampa e barreie, ou seja, sele a tampa com uma mistura de cinza de fogão, farinha de mandioca e água fervente, para dar a liga. Depois de bem vedada, leve ao fogo forte nas primeiras horas, passando para um fogo mais brando depois.
O fogão deve ser a lenha. O tempo de cozimento é de 15 horas. Quando a folha da bananeira estiver bem escura, o Barreado estará pronto.
Ingredientes para 15 pessoas
5 quilos de carne magra sem osso (paleta ou maminha de alcatra);
500 gramas de toucinho;
1 quilo de cebolas de tamanho médio, sem cascas, cortadas em quatro pedaços;
3 folhas de salsão ou aipo picadas;
3 pés de alho-porró picados;
1 colher de sopa de cominho em pó;
1 colher de sopa de orégano em pó;
3 maços de cheiro-verde picados;
5 folhas de louro;
5 colheres de sopa sal;
1 colher de sopa de pimenta-do-reino, mais ou menos;
1 cabeça de alho descascada e moída;
1 noz-moscada ralada;
3 folhas verdes e pequenas de bananeira para sobrepor ao conteúdo da panela;
2 quilos de farinha de mandioca fina para o lacre e para a mesa;
3 quilos de banana-caturra maduras e frescas;
1 vidro de pimenta-malagueta para a mesa.
Recipientes utilizados:
1 panela de barro grande e com tampa;
1 bacia para os tabletes de carne;
1 bacia para preparação do lacre da panela;
1 cumbuca média para servir a farinha de mandioca;
15 pratos e talheres (garfos, facas, colheres, guardanapos, etc.).
Modo de preparar o Barreado
Observe o sentido da fibra da carne antes de iniciar a retaliação da peça. Corte a carne em tabletes longos em forma de retângulos com cerca de 12 cm de comprimento, 4 cm de largura e 2 cm de altura. As fibras devem estar dispostas no sentido longitudinal, ou seja, no sentido do comprimento do tablete. Isto fará com que a carne se transforme em fios longos após o Barreado estar no ponto. Coloque os tabletes em uma bacia e deixe repousar alguns minutos.
Fatie o toucinho em forma de lâminas retangulares finas.
Forre o fundo da panela com uma camada de toucinho. Sobreponha ao toucinho outra camada de tempero. Faça uma terceira camada com tabletes de carne. Repita estas três camadas até o conteúdo ocupar 3/4 (três quartos) da panela.
Adicione os caldos das bacias de carne e de tempero. Acrescente uma colher de sopa de cominho em pó, uma de orégano, uma de pimenta-do-reino, cinco de sal, quatro de vinagre de vinho, cinco folhas de louro, uma cabeça de alho ralada e a noz-moscada ralada. Finalmente, forre o conteúdo com as folhas de bananeira em forma de circunferência, tampe a panela e leve ao fogo.
Ao fogo brando
Tradicionalmente, o Barreado é feito em fogão a lenha, mas nada impede que seu cozimento se dê em fogão a gás. No gás, a chama deve ser mínima e a panela colocada sobre chapa de ferro ou alumínio para evitar contato direto com o fogo. Inicie o barreamento, que consiste em lacrar a tampa com angu de farinha de mandioca.
Após uma hora sobre a chapa em fogo brando, o Barreado entra em processo de cozimento, que deve ser acompanhado atentamente. Observe que o anel de argamassa se torna seco e à vezes se rompe devido à força do vapor. Mantenha a bacia com a argamassa feita de angu de farinha sempre à mão e restaure o lacre toda vez que notar a saída de vapor. Para reparar o lacre, enrole um pequeno cubo de argamassa e aplique no local do vazamento para estancar o escape de vapor. Umedeça a mão em água fria e alise seguidamente até o remendo se fundir com o anel de argamassa seco.
À mesa
O Barreado deve ser levado ao fogo com pelo menos 24 horas de antecedência do momento de ser servido. Sendo assim, o Barreado que será servido no almoço precisa ir ao fogo por volta da meia-noite do dia anterior. Como a panela está lacrada, o aroma forte exalado pela tampa após 18 horas de cozimento é a única forma de saber que o Barreado está quase no ponto. Dependendo do fogo, o Barreado estará pronto para ser consumido de 16 a 24 horas de cozimento.
Apague o fogo após abrir o lacre da panela. Não esqueça de manter a chapa sempre quente. Coloque as porções em cumbucas de barro e leve à mesa, se possível sobre fogareiros com fogo fraco. Em mesa coletiva, pode-se levar a panela grande sobre fogareiro.
Em boa companhia
O Barreado é servido com arroz, farinha de mandioca, banana-caturra e pimenta malagueta. Acrescente o pirão feito com o próprio caldo, farofa e laranja-pêra. Requente o Barreado quantas vezes forem necessárias, sem necessidade de "barrear".
Uma cachaça fina feita de banana para aperitivo. Ou da boa, que sai da cana. Na falta, caipirinha para abrir o apetite e cerveja ou vinho para acompanhamento.