A era Vargas

André Vargas. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Ora, pois, temos a nossa era Vargas. Não a de Getúlio Vargas, ditador que dominou o país de 1930 a 1945 e voltou ao poder pelo voto no início dos 50 e só saiu pelo suicídio em 1954. Homem que mudou o país, para o bem e para o mal. Nosso Vargas não tem esse quilate. É mais prosaico. André Vargas é político que começou na Arena e terminou no PT e agora se torna célebre como figura central de novo veio da corrupção apurada pela Operação Lava Jato.
Houve frouxos intestinais em arraiais do PT. Quando os políticos em geral, e alguns em particular, pensavam que haviam sido deixados em paz, uma nova fase da Operação Lava Jato resultou na prisão de sete pessoas, entre elas três ex-deputados: Luiz Argôlo (SDD-BA), Pedro Corrêa (PP-PE) e André Vargas (ex-PT, hoje sem partido).
A figura central nesta nova onda de prisões é o ex-deputado paranaense André Vargas, eleito pelo PT. Mas quem ocupou bom espaço do noticiário foi o seu cúmplice, o publicitário Ricardo Hoffmann, conhecido operador do PT e homem de confiança de Vargas.
Se antes as investigações da Operação Lava Jato apuravam irregularidades nos negócios da Petrobras com empreiteiras, agora o alvo são contratos com agências de publicidade suspeitas de lavar dinheiro. O esquema do ex-deputado petista nas verbas de publicidade lembra o escândalo do Mensalão, quando mais de 70 milhões de reais saíram do Banco do Brasil para a agência do operador Marcos Valério.
Na Operação Lava Jato, descobriu-se que Hoffmann, ex-marqueteiro do senador Roberto Requião (PMDB), utilizava a subcontratação de outras empresas, como produtoras de vídeo, para produzir peças publicitárias para a Caixa Econômica Federal e o Ministério da Saúde – mas providenciava, em pedidos atendidos pelas empresas terceirizadas, que cerca de 10% de cada contrato da Lowe Borghi com a subcontratada fossem depositados nas empresas Limiar e LSI, de Milton e Leon Vargas.
São fraudes que vão além da Petrobras. Existem indícios de irregularidades em contratos publicitários da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Ministério da Saúde. De acordo com a Polícia Federal, a agência dirigida por Ricardo Hoffmann – um dos presos desta nova fase –, fazia subcontratações de empresas fornecedoras de materiais publicitários. Essas empresas, porém, eram de fachada e tinham como sócios André e seu irmão, Leon Vargas. Como não havia prestação de serviço, estas contratações eram realizadas apenas para a lavagem de dinheiro. As irregularidades teriam começado entre 2010 e 2011 e se estenderam até 2014.
Hoffmannduto funcionou
A operação espalhou uma onda de pânico no Paraná. Há razões de sobra para isso. Todo o PT nativo parece contaminado pelo seu esquema. Vargas foi coordenador de campanhas de Gleisi Hoffmann (PT), ex-chefe da Casa Civil de Dilma, que está na lista de Janot enviada ao Supremo. Ela também foi processada pela prática de caixa dois na década de 90, junto com o marido e ex-ministro Paulo Bernardo. Na Boca Maldita de Curitiba, as apostas são terroríficas para os petistas. Se Vargas abre a boca, a casa cai. Hoffmann trabalhou em campanhas do senador Roberto Requião (PMDB) e conhece sua vida a fundo.
Na verdade, a prisão de Ricardo Hoffmann, o auxiliar de Vargas, abre outra caixa de pandora da corrupção petista, conhecida desde os tempos do Valerioduto: a publicidade. Para que não haja equívoco, é bom dizer que consta que Ricardo Hoffmann não é parente de Gleisi Hoffmann, a senadora do PT que teve os préstimos de Ricardo em suas campanhas. Há controvérsias. Seriam parentes de grau distante, mas sempre parentes e neste caso pessoas próximas.
O jornalista Fernando Tupan diz que André Vargas (PT), que renunciou à vice-presidência da Câmara Federal depois que se tornaram públicas suas ligações com o doleiro Alberto Youssef, com quem teria mantido tenebrosas transações, financiou toda a bancada estadual do PT no Paraná, inclusive o presidente do partido no Estado, deputado Enio Verri, que recebeu R$ 74.386,00.
Tadeu Veneri
Também receberam doações de André Vargas a deputada Luciana Rafagnin e os deputados Professor Lemos, Toninho Wandscheer, Péricles de Mello e Elton Welter. Outro deputado contemplado com doações de André Vargas foi Tadeu Veneri (R$ 20.834,00), crítico implacável de todos os desvios éticos. Quando estourou o escândalo Vargas-Youssef, contrariando seus hábitos, Veneri fugiu da imprensa, no que foi acompanhado por toda bancada do PT na Assembleia.
Elton Welter
As doações de André Vargas são incomuns pelo volume extraordinário. O deputado petista doou R$ 893,9 mil para 32 candidatos em 2010 por meio de seu comitê de campanha, segundo dados do TSE. Esse valor supera o patrimônio pessoal declarado do deputado no mesmo ano, que era de R$ 572 mil. As doações superam de longe o que o deputado teria gasto na própria campanha de deputado federal que, segundo declarou ao TSE, são apenas R$ 468 mil.
Roberto Requião
Generoso, Vargas também fez doações para a campanha da presidente Dilma Rousseff (R$ 45,8 mil). Em contrapartida, recebeu de um doador inesperado. Do senador peemedebista Roberto Requião (R$ 6.362,96), que tem reclamado nas redes sociais da escassa solidariedade do PT ao correligionário. O deputado também recebeu doação da senadora Gleisi Hoffmann (R$ 9.604,22), de quem foi coordenador da campanha para o governo do Paraná.
Gleisi Hoffmann
Ao doar dinheiro para André Vargas, Gleisi pode estar retribuindo um favor. Na campanha de 1999, Vargas foi coordenador da campanha de Paulo Bernardo, marido da petista, e acabou réu em um processo de lavagem de dinheiro e caixa dois. O dinheiro, lavado pelo doleiro Alberto Youssef, acabou no caixa de campanha de Paulo Bernardo. Em despacho que autorizava buscas e apreensões na 11ª fase da Operação Lava Jato, que levou à prisão sete pessoas – entre elas os ex-deputados André Vargas, Luiz Argôlo e Pedro Corrêa –, o juiz Sérgio Moro informou que o Ministério da Saúde omitiu informação sobre um encontro entre o então ministro Alexandre Padilha e o doleiro Alberto Youssef. A reunião teria acontecido no apartamento funcional de Vargas, também no encontro.
Vem pra Caixa você também
Há tempos a diretoria da Caixa sabia, e era público, que algo de podre acontecia na instituição. Leia esta reportagem da Exame, publicada em 2009:
“A diretoria da Caixa Econômica Federal vive dias de tensão. Circula entre diretores do banco um dossiê atribuindo a um grupo conhecido internamente como `República do Paraná´ o controle (e o mau uso) das verbas de publicidade da instituição. A tal república seria formada pelos petistas André Vargas, que é deputado federal, e Nedson Micheleti, ex-prefeito de Londrina e funcionário de carreira da Caixa. Ambos são ligados ao ministro Paulo Bernardo, que também é petista e paranaense. Vargas, inclusive, foi coordenador da campanha de Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, ao governo do Paraná.”
O documento afirma que o grupo tem uma ligação especial com o publicitário Ricardo Hoffmann, chefe do escritório brasiliense da Borghierh/Lowe, uma das três agências que ganharam, no ano passado, a conta de publicidade da Caixa, um contrato de 260 milhões de reais. É a Borghierh/Lowe que faz, por exemplo, as campanhas das loterias, que só neste ano já consumiram 40 milhões de reais.
Ricardo Hoffmann é gaúcho. Apareceu no Paraná contratado pela agência de propaganda Exclam. Logo descobriu um veio paralelo em sua atividade de publicitário, a política, ou melhor, os negócios que envolvem a política. Aproximou-se de Roberto Requião, do PMDB, e participou de suas campanhas eleitorais em 2002 e 2006. Mas foi no PT que encontrou a prosperidade. Tornou-se tão ligado à Gleisi Hoffmann e ao PT que muitos acreditam que são primos, pela coincidência do sobrenome.
Apadrinhado por André Vargas, Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, Ricardo Hoffmann transformou a Borghi/Lowe do nada em segunda maior agência do Brasil, mérito de seus acordos com os petistas, que lhe renderam as contas da Caixa Econômica Federal, Ministério da Saúde, BNDES e Petrobras Distribuidora.
Um case de sucesso
Hoffmann gosta de se jactar pelo sucesso. Se sente poderoso, especialmente no Paraná, onde acredita ter controle sobre a mídia. “Não apenas pelos resultados, mas pela oportunidade de ver nascer uma história do zero, de participar de um projeto desde o início”, conta ele. Não é difícil imaginar o salto alcançado em poucos anos: de apenas um para quase 50 funcionários; de nenhum cliente para três, e dos mais importantes – Caixa, Apex e Ministério da Saúde; de um modesto conjunto de duas salas, para mais de 500 m² de um imponente espaço duplex.
O talento peculiar em se relacionar com governos lhe rendeu o cargo de diretor da agência Master em sua filial de Brasília, para onde se mudou em 1994. Não demorou muito para que, instalado na capital federal, o publicitário se tornasse referência para quem quisesse angariar contratos com órgãos públicos. “Ele era especialista em combinar contatos políticos com bons resultados em licitações. Agia, sobretudo, nos bastidores”, afirma o sócio de uma agência em Brasília que preferiu não ter sua identidade revelada.
Nos anos que separaram sua chegada à capital de sua entrada na Borghi Lowe (à época, o nome era Borghierh Lowe), Hoffmann foi executivo de diversas agências, como a DM9, a Newcomm e a Fischer. Também partiu para o marketing político ao assessorar o ex-governador paranaense Roberto Requião (PMDB) em duas eleições. Em 2007, um ano depois de a multinacional Lowe comprar a pequena agência Borghierh, o publicitário foi indicado pela diretoria da Lowe para assumir a chefia do escritório de Brasília.
Entre 2008 e 2009, a agência passou do 14º para o 4º lugar em faturamento e o número de clientes saltou de 12 para 25. Um deles, em especial, trazia consigo um contrato de 260 milhões de reais: a Caixa. Na briga ferrenha das agências responsáveis pelo atendimento do banco público, sempre causou estranheza que Hoffmann conseguisse sempre as melhores campanhas – entenda-se, as mais polpudas – como as da Loteria, consideradas o ‘filet-mignon’ da Caixa porque são constantes e veiculadas nacionalmente. Executivos de agências concorrentes, que ainda guardam certo ranço do talento de Hoffmann em conseguir contratos, contam que a avaliação para escolher a agência nem sempre era o menor preço. Dizem que havia “critérios subjetivos” da comissão de seleção do banco.
Depois de abocanhar a conta da Caixa, a agência levou o Ministério da Saúde – outro feudo de Vargas –, a Apex-Brasil e, mais recentemente, a BR Distribuidora e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Os contratos publicitários da Borghi Lowe com a Caixa ganharam musculatura: dos 260 milhões de reais em 2008 passaram a 1 bilhão de reais em 2013. Hoffmann deixou a agência no final do ano passado, quando as investigações da Lava Jato estavam adiantadas e empreiteiros eram conduzidos à carceragem da PF, em Curitiba.
O Ministério Público Federal ainda rastreia os pagamentos. Tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados pelo juiz Sérgio Moro não só duas empresas da Borghi Lowe, mas também as terceirizadas: Enoise Estúdios, Luiz Portella Produções, Sagaz Digital, Zulu Filmes, BH Serviços de Comunicação e a Conspiração Filmes.
Vargas já era investigado por suspeita de tráfico de influência no Ministério da Saúde, onde atuou para que o laboratório de fachada Labogen fosse agraciado com uma parceria para faturar mais de 50 milhões de reais com a venda de medicamentos fabricados em parceria com a farmacêutica EMS e o Laboratório da Marinha. Também teve a conduta analisada na compra de um imóvel por cerca de um milhão de reais, em Londrina, no Paraná, cuja aquisição foi declarada à Receita Federal pela esposa do ex-deputado por 500.000 reais. Os fiscais constataram que Vargas não tinha como comprovar a origem dos pagamentos omitidos do Fisco.
Ele foi um dos primeiros deputados que teve descoberta a parceria com o doleiro Alberto Youssef, pivô do esquema de corrupção na Petrobras e investigado pela Lava Jato. Por isso, a operação desta vez foi batizada de Origem. Também foram presos nesta etapa da operação os ex-deputados Pedro Corrêa e Luiz Argôlo, outros velhos parceiros de negócios escusos do doleiro.