Prateleira. Ed. 186

Apenas escrever
“Se eu não tivesse escrito teria me transformado numa alcoólatra sem cura.” Disse Marguerite Duras no livro Escrever. Lá, entre tantas linhas e letras bem orquestradas, ela escreveu sobre si, como em grande parte de seus livros. Porém, essa escrita de si traz mais da ficção e do reconhecimento do alheio do que se imagina. Este livro, que se reinventa a cada leitura, nos deixa face a face com a autora francesa. Essa face estranha vira um espelho. Passamos a nos ver. “Quando eu dormia, cobria o rosto. Tinha medo de mim. Não sei como, não sei por que. E por isso bebia álcool antes de dormir. Para esquecer-me de mim.”
Não precisa ser um alcoólatra para se identificar. Apenas viver nesse mundo angustiado e angustiante. Há momentos de vontade de sumiço total. Marguerite os sentia muito, e não só bebia para esquecer. Ela também escrevia. Uma escrita angustiada que virou um dos maiores legados da literatura francesa.
Prosa arquitetada
Eric Nepomuceno em seu livro Quarta-feira reúne histórias inesperadas com desfechos surpreendentes. 27 contos de uma prosa sutilmente arquitetada, com construções de um humor elevado e afiado. O autor elogiado por Gabriel García Márquez (“nunca imaginei que pudesse desfrutar tanto de contos que terminam tão mal” disse Gabo sobre A Palavra Única) é também jornalista e tradutor.
Nepomuceno traduziu alguns dos mais importantes nomes da literatura hispano-americana, Eduardo Galeano, Julio Cortázar e o próprio Gabo. Ganhou duas vezes o prêmio Jabuti de melhor tradução. Em 1993 ganhou no México o Prêmio Plural, por seu conto “Coisas da vida”.
Canalha americano
Em 1986, Charles Bukowski foi citado pela Revista Times como o “laureado canalha americano”, isso por seu modo desinibido, obras marcadas por uma sexualidade liberta, sempre acompanhadas de um uso excessivo de álcool. Bukowski fascinou uma geração e fez com que ela se identificasse com seu modo “literário” de viver.
Mulheres não é um livro convencional, onde um homem busca seu verdadeiro amor ou vice-versa, é o encontro do protagonista Hank, Henry Chinaski, com várias mulheres. Nele o protagonista se envolve perdidamente e bagunça a vida de todas elas. Sem ao menos se importar em saber o primeiro nome de cada uma. E é, por fim, considerado um bom rapaz.
Anticristo para Nietzsche
Em O Anticristo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche desconstrói o conceito de “cristão de Deus”, criticando e trazendo uma análise psicológica sobre a visão de Jesus Cristo como “Salvador”. Para Nietzsche, foi o apóstolo Paulo quem transformou Jesus em Cristo, ou seja, foi ele quem criou o cristianismo. O autor, em vários dos seus livros, traz a questão da moral cristã, entre outros aspectos do cristianismo e variadas religiões, mas é somente em O Anticristo que há um maior aprofundamento no tema.
Redigida em 1888, esta obra não pode ser acompanhada por Nietzsche, pois no início de 1889 o autor, vivendo um processo de demência, afastou-se do mundo intelectual. Foi editado por sua irmã somente em 1895.
Jovem poeta
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês canônico e influência direta da arte moderna do século XX. Produziu toda a sua obra quando jovem, abandonando a escrita e a poesia na fase adulta para concentrar-se no enriquecimento material. Uma vez questionado sobre sua produção literária em 1878 respondeu: “Nem penso mais nisto!” No entanto, deixou uma obra vasta e foi considerado “um jovem Shakespeare” em sua época. Morreu aos 37 anos de câncer. Precoce em vários sentidos.
Com tradução de Ivo Barroso, Arthur Rimbaud: prosa poética, de edição bilíngue, é uma recomendação ao monumental contido na poesia do autor francês.
Flor Bela
Não há como se desligar da vida de Florbela Espanca, escritora portuguesa, ao entrar em contato com seus escritos. Como disse João Luís Peixoto, organizador de Florbela Espanca, A Charneca ao Entardecer: “Como ignorar suas paixões falhadas? Como ignorar o sofrimento, o amor...”. Não há meio de esquecer. Há apenas a constatação da beleza e da boa escrita da poetisa que viveu apenas 36 anos.
Peixoto, além de organizar a obra, selecionou a dedo o que ali está, introduziu e ainda declarou: “Os contos foram escolhidos de acordo com o meu gosto (...) Devo aos contos de Florbela Espanca a sinceridade que encontrei neles.”
Entre a casa e a rua
“O que ocorre com o homem comum quando sai de casa e vai para o mundo da rua e das relações impessoais? O que acontece quando se transforma em cidadão?” São essas as principais perguntas que o antropólogo Roberto DaMatta tenta responder em seu livro A casa e a rua, de 1997.
Em sua apresentação já adverte ao leitor que busca respostas exatas e sem retoques, admite e lembra-se das grandes reflexões encontradas quando se estuda a sociedade. Há sempre mais por vir, sem certezas absolutas. Portanto, nesta obra o autor transcende o método e estilos dominantes da antropologia “bem comportada”, trazendo ainda mais paradoxos para analisar. Deixando as casamatas de lado para levantar cabanas.