A secreta viagem

Viajo, submerso sob estratos
de granito, ruminando
insetos na memória: fatos
e ficções. Viajo (o vento é brando!)
no dorso da serpente
incrustrada no ventre da maçã.
Viajo (inconsequente?)
nos interstícios da manhã
a pulsar sempre nos arquivos de aço
da noite clandestina.
Viajo, como se o gesto do meu braço
fosse uma asa transparente, fina.
Viajo, barco imóvel
entre latas de lixo putrefato
onde o tempo, invisível automóvel,
se espreguiça como um gato.
Sim, eu viajo. Às vezes escondido,
toupeira cega entre túneis de sono,
outras vezes perdido
como um cachorro vadio à procura do dono.
Viajo sobre lâminas frias
pontiagudas como o remorso ígneo,
equilibrado no trapézio dos dias,
ignorando talvez que cumpro o vaticínio
de uma cigana (numa tarde antiga)
lendo, sem ver (era cega) a palma da mão
enquanto alguém, ao longe, cantava uma cantiga
cuja letra, tão bela, já não lembro, não.
Viajo, viajo, sempre inquieto,
ó petrificada estátua de mim!
Viajo, sem saber que decreto
me faz voar – ou não voar – assim.
Viajo: buscando que portos,
triste albatroz dos céus esculpido na pedra?
O meu rumo é talvez o país longínquo dos mortos,
lá onde o meu sonho, orquídea muito rara,
[medra…